sábado, novembro 24, 2007

Por que educação é a tragédia nacional

Mauro Chaves
"Com um ensino primário rudimentaríssimo e um ensino secundário positivamente falho, nada possuímos que, de longe, se assemelhe a um centro de cultura superior. Como conseqüência inevitável, aí está o espetáculo profundamente contristador, que oferecemos, de um país que caminha às tontas, sem norte, ao sabor do primeiro semi-analfabeto que se aposse do governo supremo da República e a exaurir-se em intermináveis disputas puramente verbais, nos congressos, na imprensa, nas escolas, nas reuniões públicas ou particulares. É a anarquia mental a imperar infrene, de norte a sul do Brasil, e a favorecer tanto a demagogia dos agitadores profissionais como as ousadias dos dominadores do momento."

Não, caro leitor, o texto acima não foi escrito recentemente, apesar de sua impressionante (e profética) atualidade. Foi escrito há 82 anos, em 1925, e está no livro A Crise Nacional (pág. 85), de autoria do jornalista e educador Julio de Mesquita Filho. Nos últimos tempos não tem havido governo que deixe de estabelecer a educação como sua "meta prioritária". Mas a qualidade da educação brasileira, segundo todos os índices e pesquisas nacionais ou internacionais que se utilizem para a avaliar, é cada vez mais vergonhosa, constituindo, sem sombra de dúvida, a maior das tragédias nacionais. E nem seria preciso o uso de pesquisas para comprovar o que é cada vez mais visível a olho nu, no convívio de dia-a-dia com profissionais de várias categorias e prestadores de diversos serviços: o analfabetismo funcional crônico da imensa maioria da população brasileira, incapaz de entender uma informação ou um raciocínio contidos num texto, mesmo que já tenha aprendido a soletrá-lo.

As alardeadas "prioridades" governamentais conferidas à educação se esgotam nos demagógicos discursos políticos, jamais se concretizando em ações reais, consistentes, transformadoras, que façam reverter a disparidade colossal entre o que aprendem os jovens no Brasil e o que aprendem os jovens nos outros países, especialmente os desenvolvidos. Por outro lado, as discussões que se travam nessa área se esgotam na repetição de clichês, falácias e mitos. O economista e pesquisador Gustavo Ioschpe, especializado em educação, já apontou (e desmontou) quatro mitos que impedem a melhoria de nossa qualidade de ensino: o de que o salário do professor brasileiro é baixo, o de que (em conseqüência) a educação no Brasil só será melhor quando os professores ganharem mais, o da falta de investimento em educação e o da excelência do ensino nas escolas particulares (de primeiro e segundo graus). Ele chegou a conclusões contrárias a tais "enunciados", baseando-se em dados do MEC e de entidades internacionais, como Unesco e OCDE (entidade de europeus e norte-americanos). E concluiu que a má educação no Brasil tem por causas principais a má formação do professor e a má gestão dos recursos alocados para o setor.

Mas existe um outro mito, que é o do "professor coitadinho". Houve tempo em que até se via nos carros o adesivo com a frase "hei de vencer, apesar de ser professor". Os jovens repórteres que vão cobrir problemas nas escolas - como greves, ocupações, tumultos ou bagunças - costumam começar suas indagações com a questão da má remuneração dos professores, o que não deixa de ser uma falácia. Há algo muito mais vergonhoso de que pouco se trata: o absenteísmo docente nas escolas públicas. Tome-se o exemplo da rede estadual de ensino em São Paulo, composta de 240 mil professores. Em 2006 o índice de falta desses professores foi de 12,8%. A média de ausência por professor foi de 32 dias, sem contar o direito de férias e o recesso escolar, que totalizam 45 dias. O governo calcula o prejuízo total de R$ 340 milhões por ano, gastos em aulas não oferecidas (mas pagas) e contratação eventual de professores substitutos. Vejamos agora: um ano letivo tem 210 dias. Um hipotético professor, com faltas abonadas (permitidas sem justificativa), com moléstia "transmissível" (gripe?), transmitida à família, e mais outras justificativas (até razoáveis) para faltar, munido de atestados médicos, no limite, pode comparecer à escola só 27 dias no ano, sem prejuízo de salário! Mas ele jamais faltará às aulas que dá em escola privada, para "complemento de salário", porque, se o fizer, de lá será demitido.

Quanto à má gestão dos recursos alocados para a educação, a Rede Globo fez recentemente uma arrasadora reportagem mostrando os muitos milhões que vão para os pequenos municípios, como verbas para a educação, e as condições abjetas, nojentas, de grande parte das escolas que as recebem pelo País afora. Parece não haver controle algum do que os prefeitos fazem com o dinheiro federal. Mas justiça se faça: no campo da educação o governo Lula não é tão pior do que os seus antecessores. É só um pouco mais ruim. Os piores de todos foram os governos militares, os responsáveis pelo rebaixamento da qualidade de ensino no País, ao permitirem, entre outras coisas, a proliferação das arapucas argentárias no ensino "superior", para se livrarem do problema dos "excedentes". Mas os governos da ditadura pelo menos tiveram a honestidade de nunca declarar a educação como "meta prioritária". Naquele tempo, o Ministério da Educação era para onde iam os que estavam sobrando na política.

O problema é que, em vez de se indignar com a tragédia, que defasa o País do mundo, a sociedade brasileira parece que já se acostumou com ela e é até capaz de curti-la, como comédia! Prova disso é que dá muitas risadas com as listas de imbecilidades escolares que Jô Soares de vez em quando apresenta em seu divertido programa.