sábado, novembro 24, 2007

O carro islâmico da Malásia

O carro de Alá

Como vender um popular projetado na Malásia?
Coloque uma bússola apontando para Meca


Duda Teixeira

AFP
Proton exibido na Malásia: com compartimento para o Corão


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O contato com a cultura global costuma despertar reações contraditórias no mundo muçulmano. Diante dos produtos, tendências e tecnologias que dominam a vida moderna, os muçulmanos ortodoxos têm duas saídas. Uma é a proibição pura e simples. Há fatwas (decretos islâmicos) recentes abominando desde a vacinação infantil até os desenhos animados. Outra solução, mais saudável, é adaptar as invenções modernas às tradições muçulmanas. Nessa linha, a fabricante de automóveis Proton, da Malásia, anunciou no início deste mês o projeto de fabricar um carro islâmico. O "islâmico" do veículo não vai além de alguns acessórios, como a bússola no painel. Com ela, o motorista saberá a exata direção de Meca, para onde poderá se voltar para fazer as cinco rezas diárias obrigatórias. O Proton islâmico, que deve ser produzido na cidade de Daman, na Arábia Saudita, também virá com um compartimento especial para guardar o Corão, o livro santo do islamismo, e outro para véus femininos. "Para as montadoras, fazer em um carro mudanças cosméticas como essas custa muito menos do que desenhar um modelo e permite criar do zero um nicho de mercado", explica o paulista Juliano Alquati, analista da CSM Worldwide, consultoria especializada na indústria automobilística. No Brasil, um exemplo dessa estratégia foi acrescentar espelho ao pára-sol do motorista para convencer as mulheres a comprar determinado modelo de automóvel.

O carro islâmico será vendido na Turquia, no Irã e em outros países do Oriente Médio e não sairá por mais de 15.000 dólares, o que o enquadra na categoria dos modelos populares. A justificativa para haver um automóvel feito sob medida para muçulmanos está no caráter onipresente da religião de Maomé. O islamismo regula os mínimos detalhes do cotidiano de um fiel, desde a forma de lavar as mãos até o que se pode ou não ler no banheiro. Talvez pelo fato de o cristianismo não ser uma religião tão normativa, ninguém ainda pensou em fabricar um veículo exclusivo para católicos. Em junho, curiosamente, o Vaticano divulgou o decálogo do motorista, inspirado nos dez mandamentos. Entre outras orientações, o texto recomendava que as pessoas fizessem o sinal-da-cruz antes de iniciar uma viagem e, durante o trajeto, orassem e rezassem o rosário. Os xeques foram, literalmente, mais longe na tentativa de colocar um pouco de religião em situações inusitadas. Na Malásia, um país onde 60% da população é muçulmana, foi criado um software para resolver a questão de como um astronauta poderia fazer para rezar cinco vezes por dia voltado para Meca. Pelos cálculos do programa, as preces obrigatórias deveriam ser feitas no curto dia de noventa minutos da estação espacial. A confusão seria tão grande que o software foi descartado, e o Conselho Nacional de Fatwas Islâmicas, da Malásia, publicou um livreto intitulado Obrigações Muçulmanas na Estação Espacial Internacional. Antes de tornar-se o primeiro astronauta malaio a visitar a estação, no mês passado, Sheikh Muszaphar Shukor foi informado de que não precisaria se ajoelhar no espaço, mas rezar da melhor forma possível em gravidade zero.


Fotos Matt King/Getty Images e Jerome Kramer/Getty Images
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