domingo, novembro 25, 2007

Miriam Leitão Ampliar o debate

O mundo ficou mais interdependente do que nunca, e as instituições multilaterais falham como nunca. A rodada Doha se arrasta, o protocolo de Kyoto foi rejeitado pelo maior poluidor, a ONU é incapaz de comandar o processo de negociação para combater a mudança climática. Uma prova disso se verá em Bali. Como desbloquear a agenda global e que papel a mídia tem nisso?

Um grupo do qual fazem parte várias instituições de relações internacionais e algumas universidades — como Princeton, Oxford, Victoria (Canadá), Tsinghua (China) — tem se reunido para discutir o assunto. Quer saber como desbloquear o processo decisório internacional.

Sob o comando do Center for International Governance Innovation (CIGI), reúnem ex-governantes, diplomatas aposentados e na ativa, acadêmicos de vários países. Testam a seguinte hipótese: se o G-8 for ampliado e as reuniões internacionais reformadas e mais bem preparadas, o mundo conseguirá superar o impasse atual das negociações? Eles concentram esforços em pensar formas de facilitar as negociações para um acordo do clima, numa iniciativa que chamam de “Breaking Global Deadlocks”. Na última reunião, no Canadá, no final de outubro, chamaram jornalistas de 14 países — do Brasil, fui a convidada do CIGI e do Center for Global Studies, da Universidade de Victoria — para um debate sobre que papel a mídia pode ter na discussão de temas complexos como a governança global e a mudança climática.

Encontro interessante. Diferente do tradicional formato de palestras, foi uma mesaredonda de dia inteiro e palavra livre, com o debate sendo intercalado por pequenas apresentações de especialistas.

Dessa reunião, participou também o presidente da OCDE, Ángel Gurría, sentado à mesa ao lado de jornalistas do G-8 mais China, Índia, Brasil, México, África do Sul e Egito. O CIGI tem trabalhado com líderes desses 14 países porque é isto que sugere como primeiro passo: que o G-8 seja ampliado para incluir os maiores países emergentes.

O problema que tiveram, apesar de serem uma instância não-governamental, é que, na primeira lista (o G-8, mais os cinco emergentes), o mundo muçulmano estava de fora. Foi então que se optou pelo Egito; por exclusão.

Não podiam chamar o Irã, inimigo dos Estados Unidos; o Iraque ocupado; nem a monarquia absolutista da Arábia Saudita. A Indonésia é muçulmana, mas não é árabe.

Só esse dilema, não declarado, mas facilmente percebido, já mostrava uma das fraturas mundiais.

Ampliar o G-8 é inevitável.

Hoje vigorosos países médios são decisivos em tudo.

— Ficamos muito grandes para sermos barrados no clube — disse o embaixador Marcos Azambuja, um dos brasileiros a participar do CIGI.

A China já passou, em tamanho do PIB, vários países do G-8. Os maiores emergentes hoje estão sendo um contrapeso à crise americana pela dimensão que movimentam do PIB global. O G-8 é um arranjo do passado. Como o texto final da reunião resumiu: “a atual arquitetura de governança global é formada por relíquias do sistema do pós-guerra que não capturam as mudanças da distribuição de poder e influência desde 1945”. Se o assunto em pauta é mudança climática, os 14 sozinhos representam 70% de toda a energia relacionada com as emissões dos gases de efeito estufa. A idéia é que um grupo menor e mais representativo pode construir um consenso entre si. Depois será mais fácil levá-lo a todos os países da Convenção do Clima da ONU. Tudo bem, mas, se o assunto é mudança climática, a Austrália, que enfrenta secas terríveis e que nem assinou Kyoto, e a Indonésia, dona da segunda maior floresta tropical do planeta, deveriam estar na lista mínima de países.

Essa idéia de reunir grupo de diplomatas, especialistas em política internacional e autoridades é interessante, pois eles simulam negociações internacionais, mesmo não representando governos.

Alguns são ex-governantes, como o ex-primeiro-ministro do Canadá Paul Martin, e outros têm enorme experiência.

Eles sabem o que anda bloqueando o caminho.

A novidade naquela reunião foi a presença dos jornalistas.

Eram quem respondia às perguntas. Por exemplo: como era possível transformar toda conversa, da governança global à mudança climática, num assunto que interesse o público. Evidentemente, cada jornalista, uma sentença. A jornalista chinesa acha que o tema pode cansar, o indiano defendeu a tese velha de que o combate à poluição não pode impedir os países em desenvolvimento de terem direito de se desenvolver.

A da África do Sul acha que o assunto só interessa quando vai à vida das pessoas. A professora Katheen Newland, especialista em política migratória, não deixou dúvidas de que o tema estará na pauta: ela calcula que 200 milhões de pessoas podem ter que migrar nas próximas décadas porque vivem hoje em terras que serão alagadas pela subida do mar.

Não há duvida que, para o tema mudança climática, há apelo, necessidade e meios de se transformar o complexo debate de cientistas, climatologistas, especialistas em energia e diplomatas em matéria jornalística. Afinal este é o nosso papel: entender o que os especialistas estão dizendo e apresentar de forma compreensível para o grande público. O tema não sairá da pauta; e também se desdobrará por várias editorias.

Nosso papel será o de informar; uma opinião pública informada poderá pressionar os líderes dos países. E tomara que ainda haja tempo.