O debate que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, iniciou sobre a necessidade de reequipamento de nossas Forças Armadas trouxe para o centro das discussões um tema que continua sendo tabu desde o fim da ditadura militar. Os especialistas são unânimes em concordar com a necessidade de uma política estratégica governamental para estabelecer prioridades e, sobretudo, para finalmente conseguir que as três Forças trabalhem em regime de integração e parceria, fazendo com que tenhamos, depois de tantos anos da criação do Ministério da Defesa, uma política integrada de defesa. O Plano Estratégico Nacional de Defesa, que está em elaboração, pretende definir as tarefas a serem desempenhadas por cada uma das três Forças Armadas, e os equipamentos de que elas necessitarão.
Francisco Carlos Teixeira, professor de história contemporânea da UFRJ e professor emérito da Eceme/Escola de Comando e EstadoMaior, diz que apenas por engenhosidade e abnegação dos homens das Forças Armadas o conjunto do sistema funciona. “O material/ equipamento em uso é precaríssimo, ultrapassado e, mesmo, inútil”. Ele lembra que a reposição ou revitalização do inventário militar, como um todo, ficou abaixo da meta global de 4% ao ano.
Precisamos estabelecer prioridades “de longo prazo e coerentes”.
Assim, segundo ele, teríamos que partir para a modernização, o que implica atualização tecnológica para a guerra moderna no século XXI. O segundo passo seria modificar a estrutura, em função da tecnologia alcançada com a modernização.
Para isso, deveríamos caminhar rapidamente “na direção de adequação doutrinária, estudos, jogos de guerra e intenso treinamento”. O último passo seria a mudança na forma de atuar, na doutrina.
Um item importante, na visão de Francisco Carlos Teixeira, seria a recuperação da indústria de defesa, particularmente da Imbel.
O professor Domício Proença Júnior, do Grupo de Estudos Estratégicos da Coppe/UFRJ, acha que o mais fundamental é que “carecemos da institucionalidade para que o presidente da República tenha diante de si os elementos e informações com os quais possa tomar a melhor decisão. Daí, o que se tem é uma sucessão de inércias de cada uma das forças singulares, porque nem se tem política de defesa, nem o projeto de força que materializa a política de defesa em prioridades”.
Proença Júnior acha que a definição de uma política estratégica nacional de defesa passaria “por um arranjo que integrasse as capacidades das três Forças em termos de pronta resposta, por um lado, e um sistema de reservas e mobilização robusto, por outro”.
Fazer este arranjo, porém, dependeria de se ter “uma visão técnica do que é possível e do quanto custam as diversas alternativas de armamento e sistemas de combate, uma visão política do que sejam os desafios, oportunidades e prioridades do Brasil em termos de segurança, e exercitar as possíveis decisões de como se escolhe dentre as primeiras em função das segundas”.
Já Expedito Carlos Stephani Bastos, pesquisador de assuntos militares da Universidade Federal de Juiz de Fora, diz que, “se quisermos ter soberania, poder de decisão, hegemonia regional, capacidade dissuasória e uma força para proteger áreas vitais, faz-se necessário manter uma indústria de defesa sólida, que possa atender à demanda das Forças Armadas, desenvolvendo e agregando tecnologias duais, inserindo o país nos novos desafios que se vislumbram no horizonte do conturbado século XXI”.
Segundo ele, “precisamos readequar o nosso parque industrial de defesa com fusões de empresas, tornandoas mais competitivas e diversificadas, como tem sido feito na Europa e Estados Unidos, criando uma maior interação entre os diversos centros de pesquisas, civis e militares, que, embora pesquisem as mesmas coisas, na atualidade funcionam como ilhas, sem comunicação umas com as outras, gerando gastos e cometendo erros reincidentes até obterem praticamente os mesmos resultados”.
Seria mais importante, para ele, fortalecer o Ministério da Defesa, “dotando-o de capacidade de decisão e visão, mostrando para que fim realmente veio, servindo de plataforma para gerar uma política de defesa nacional, real e com capacidade prática, pensando o país para os próximos 50 anos, servindo como o vetor de incentivar uma indústria de defesa que ajude a desenvolver o nosso crescimento, tanto para a área militar como a civil, visto que ambas estão interligadas nos países mais desenvolvidos, gerando conhecimento, divisas e empregos”.
Expedito Bastos ressalta que precisamos ter hoje uma visão estratégica “que nos faltou em décadas passadas, e compreender que produzir e desenvolver material de defesa não faz mal à sociedade, visto que, se conseguirmos dominar pontos importantes nesta área, ela trará enorme benefício a todos”.
Clóvis Brigagão, do Centro de Estudos Estratégicos da Universidade Candido Mendes, reclama uma política pública de defesa orientada, com respaldo do Congresso Nacional, alicerçada em discussão pública com setores bem informados e qualificados da opinião pública, “que oriente a política de reequipamento das Forças Armadas, a fim de que elas sirvam à essa política ou ao novo Plano Nacional Estratégico de Defesa e não, como ocorre, que a demanda por equipamentos/ armas seja feita através de mecanismos de lobbies do Exército, da Marinha e da Aeronáutica”.
Clóvis Brigagão destaca que “não temos uma política integrada de defesa, mas temos o Exército, a Marinha e a Aeronáutica solicitando — como pedintes — verbas para o seu reaparelhamento”.
Não temos também uma “política integrada de orçamento, nem política integrada de compras, nem de despesas”.
(Continua amanhã)