O Globo |
30/11/2007 |
Opaís inteiro recebeu com a indignação adequada e alguma surpresa a história espantosa da menina de 15 anos presa com um bando de homens na cela da delegacia de Abaetuba, no interior do Pará. Nos centros do poder, autoridades como o ministro da Justiça, Tarso Genro, podem ser parceiras na indignação - e são, não vamos duvidar -, mas não na surpresa. Nem poderiam alegá-lo. Até em Washington já se sabe de violências do mesmo tipo: um relatório da Pastoral Carcerária da CNBB, entregue à OEA (e que Genro também certamente recebeu), documenta uma quantidade de casos semelhantes em pelo menos cinco estados, inclusive o Rio. É uma situação que Brasília não desconhece. Em face do episódio de Abaetuba, a ministra Nilcéia Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, comentou-o com uma generalização que parece banal, mas diz tudo: é lamentável a situação das mulheres nos presídios brasileiros. Por que, até hoje, fez-se tão pouco para melhorar o quadro? Parece que nisso as autoridades nacionais são parecidas com a opinião pública: têm o mau hábito de não dar a relatórios massudos e frios a conseqüência que merecem. E só se mobilizam em face de episódios especialmente traumáticos. Sempre tragédias com rostos, escândalos com nomes. Assim foi no Rio, por exemplo, com a tragédia do menino arrastado e morto por jovens bandidos num carro em fuga. E assim está sendo com a história da menina de Abaetuba. São situações emblemáticas, sentenciam os cientistas sociais. Os relatos e as imagens fervem o nosso sangue e nos fazem chorar, preferem dizer os cidadãos; principalmente, quem, como eu, não sabe muito bem o que é "emblemático". De qualquer forma, a indignação faz a máquina do Estado se mexer. Enquanto dura. E uma das tragédias sobre as tragédias nacionais é a vida curta das iras santas. A história da menina de Abaetuba rendeu ao governo do Pará, em menos de 48 horas, a liberação de R$89 milhões para melhorar a situação de presídios e celas de delegacias. Outros estados podem alegar que vivem problema idêntico e correr a Brasília de chapéu na mão. Mas vamos insistir: é bom não perderem tempo, porque as prioridades causadas por episódios comoventes costumam ter curta vigência. Mas, aqui no Rio, a comoção com o episódio paraense pode ser aproveitada imediatamente, num caso isolado - mas emblemático, como dizem as pessoas que escrevem bonito. O delegado Herald Paquete Espínola, da Divisão de Capturas da Polícia Civil, defendeu outro dia que homens continuem a fazer revistas rotineiras em presas - que ficam nuas para isso. Alegou que a lei não exige a revista por mulheres e bateu o pé: "Não vou perder meu tempo comentando isso." A Secretaria de Segurança talvez ache oportuno se sintonizar com o estado de espírito generalizado no momento e, pelo menos, sugerir a esse delegado que ganhe um pouco de seu tempo se transferindo para o século XXI. Outros tipos de transferência também podem ser pertinentes. |