editorial |
O Estado de S. Paulo |
1/11/2007 |
No País em que negociação virou sinônimo de negociata, não admira que a opinião pública se abstenha de dar as boas-vindas às conversações entre o governo e os cabeças da bancada tucana no Senado em torno de um acordo que permitiria ao Planalto, mediante concessões, ver aprovada na Casa a prorrogação da CPMF até 2011, em tempo hábil para entrar em vigor em 1º de janeiro. Assiste-se em Brasília a uma raridade, que tende a ser praxe nas democracias amadurecidas, quando estão em jogo, como no caso do imposto do cheque, questões do interesse de toda a sociedade e o padrão de atuação dos Estados nacionais. Diga-se desde logo que os entendimentos em que se engajaram figuras expressivas do Executivo, como o próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, não advieram de uma providencial incursão do presidente pela Estrada de Damasco. Lula mandou auxiliares seus ouvirem o lado de lá não porque tenha sido bafejado de repente por uma iluminação sobre as virtudes do diálogo democrático, a que o jeito petista de governar tem sido notoriamente avesso, mas tão-somente porque lhe falta no Senado a ampla maioria de que desfruta na Câmara, graças à aliança que logrou construir com uma dezena de legendas, a começar do PMDB. Ali, por isso mesmo, prevaleceu a velha tática do rolo compressor - e os oposicionistas que fossem se queixar ao bispo. O Planalto admitiu entregar alguns anéis ao PSDB depois de fazer e refazer as contas que desembocavam, todas, num ponto de interrogação sobre o alcance da fidelidade da sua maioria nominal de 53 membros - 4 além dos 49 necessários. Sendo 4 também os votos dados como de antemão perdidos na bancada peemedebista, justifica-se a insegurança do governo. Diga-se desde logo, ainda, que a atitude da liderança tucana de apresentar as suas condições para aceitar mais quatro anos de CPMF - diferentemente do DEM, que fechou questão contra a eternização da contribuição “provisória” - não torna o imposto melhor do que é: um tributo perverso que afeta de ponta a ponta a cadeia produtiva e de consumo, além de desvirtuado desde a primeira hora. Mesmo levando em conta, porém, que outro governo, com outra política de gasto público, poderia dispensar a enormidade, é altamente provável que, neste, a eliminação tout court da CPMF teria um custo socialmente indesejável. É sintomático, a propósito, que os tucanos mais engajados na sobrevivência do imposto sejam os seus governadores e presidenciáveis, encabeçados pelo paulista José Serra e o mineiro Aécio Neves: podem ser oposicionistas, mas, literalmente, não rasgam nota de mil. Eles temem que, privado dos R$ 40 bilhões da CPMF, o governo cortará na carne dos Estados para assegurar o seu ajuste fiscal de má qualidade, centrado nas metas de superávit primário. Não é de excluir, de todo modo, que o PSDB-Senado, sob pressão do PSDB-Câmara, acabe rejeitando majoritariamente o acerto em obras e se alinhe ao DEM. O que decerto induzirá o Planalto a cooptar um punhado de oposicionistas com os meios que a oposição não se cansa de denunciar - no que faz muito bem. A questão de fundo, no entanto, é outra: a abertura de negociações já produziu duas conseqüências benéficas. Primeiro, colocou na mesa, publicamente, os pontos críticos da política fiscal, envolvendo o custeio da máquina, o endividamento da União, que sobrenada a Lei de Responsabilidade Fiscal, e a eternamente adiada reforma tributária. O terreno, em suma, foi delimitado. Segundo, no plano imediato, o Planalto indicou que está propenso a reduzir a alíquota da CPMF em dois centésimos, para 0,36%, já em 2008, inaugurando, tacitamente, a redução progressiva do imposto. Indicou também um aumento gradual da parcela do imposto destinada à saúde, dos atuais 20% para 28%, em 2011, representando um repasse escalonado de pelo menos R$ 23 bilhões no período. Politicamente, se os entendimentos vingarem, será prova de que a oposição não só não está morta, quando pode ser o fiel da balança numa decisão de grande porte, mas cumpre com o seu dever: melhor para o PSDB ter arrancado concessões do governo para a CPMF passar, do que dizer não à CPMF e vê-la passar grátis para Lula. Enfim, um acordo digno atestará que eppur si muove: a democracia brasileira funciona |