O Estado de S. Paulo |
30/11/2007 |
Quando falam de novidades do mercado financeiro, os especialistas despejam profusões de nomes e siglas incompreensíveis para os não iniciados, como SIV, CDO, FDIC, ABCP Conduits. São coisas de um mercado em que quase tudo é virtual ou, quem sabe, puro vento. Mas não é esse o assunto do dia. Há uma novidade mais sutil e mais importante tomando corpo. Trata-se da metamorfose global na percepção do risco, um tema já abordado de passagem neste espaço. Alguma lei biológica manda que a bicharada fuja para a toca a qualquer sinal de perigo. Quando algo mete medo, o comando central manda que as pernas ajam. No mundo das finanças, essa reação é exacerbada. No passado mercantilista, a segurança econômica era passada pela posse de propriedades imobiliárias e, naturalmente, de metais preciosos, função que ainda subsiste residualmente na sociedade. Tanto subsiste que, nos dias de pânico, as cotações do ouro quase sempre disparam. Nos últimos 30 anos, foram o dólar e os títulos lastreados em dólares que passaram a desempenhar essa função. Mas isso parece outra vez em mudança. Quando más notícias prevalecem no mercado financeiro, a porta de saída ainda aponta para o dólar. Mas os investidores se comportam como se não mais se sentissem seguros no esconderijo. Ficam lá, desconfortavelmente agachados debaixo dos dólares, com o mesmo medo na barriga. Ao primeiro alívio, a manada volta para o risco. Há muito dinheiro sobrando nos mercados, os juros nunca estiveram tão baixos e um dos maiores riscos do momento está no que vem acontecendo nos mercados de câmbio. A percepção geral é a de que se pode perder mais nas aplicações em dólares do que nas aplicações tradicionais de risco. Explica-se: o que, em princípio, deveria passar segurança, é causa de insegurança. Em dois anos, o dólar caiu mais de 20% ante o euro e 17% ante a libra esterlina (ver gráfico). Quem está montado em dólares está todos os dias se perguntando o que acontecerá com seu patrimônio se os chineses, que têm US$ 1,4 trilhão em reservas, resolverem levar a sério suas ameaças de diversificação de investimentos. O que ainda sustenta a procura de ativos em dólares nos momentos de aflição é a falta de opção. Não há títulos em ienes ou em euros em quantidade suficiente para atender à demanda nessas horas. Embora sua condição de moeda de reserva esteja sendo questionada, ainda não há o que pôr em seu lugar. Na verdade, a fraqueza não está no dólar, mas na economia americana. Tem a ver com os seguidos rombos do orçamento público. Só as despesas com defesa no Iraque, Afeganistão e África estão sangrando entre US$ 3 bilhões e US$ 5 bilhões por dia, aponta o site da Yale Global. E tem também a ver com a baixa capacidade do americano em poupar. Apenas uma reversão dos fundamentos da economia americana conseguirá dar consistência ao dólar que hoje é uma moeda frouxa. Enquanto essa reversão não acontecer, os investidores continuarão desarvorados, com medo de que o dólar se transforme em vento e o Tesouro americano, em megacaloteiro.
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