segunda-feira, outubro 08, 2007

Novos rumos?- Marcelo de Paiva Abreu

Novos rumos?

artigo
O Estado de S. Paulo
8/10/2007

Está difícil delinear um quadro razoavelmente nítido das perspectivas de médio prazo para o País. Mesmo o cenário mais favorável não é animador. No plano político, as ações do governo para garantir apoio no Congresso revelam completo abandono do objetivo de aperfeiçoamento das práticas e instituições políticas no quadro de um processo de construção da democracia substantiva. A coalizão governamental, com posição destacada do Partido dos Trabalhadores, mergulhou na fisiologia total. O partido demonstra estar irremediavelmente comprometido com práticas que, no passado, condenava histericamente em seus adversários políticos. Revive-se o espectro de uma esquerda cujas ações indicam que os ideais de reforma e eqüidade foram amplamente dominados pela sistemática busca de benesses do Estado. Trata-se de retrocesso memorável em relação às esperanças despertadas no final dos anos 70 por um partido que tinha a veleidade de renovar a vida política do País.

No plano econômico, a bonança tem sido resistente a desenvolvimentos desfavoráveis na economia mundial. Demonstração cabal de que a virtude da política monetária foi bastante eficaz em reduzir a vulnerabilidade da economia. Seria ingênuo pensar que as demais políticas adotadas pelo governo tenham tido influência positiva nesta avaliação. As intenções de investimento registradas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) estão sendo frustradas pela ineficiência da máquina pública. E já se detecta ameaça significativa à prudência macroeconômica no aspecto fiscal, pois não basta assegurar o respeito às metas de geração de déficit público sem controlar o crescimento de gastos.

A análise das declarações presidenciais é um elemento importante para a avaliação de como poderá evoluir no médio prazo a situação política e econômica do País. É certo que é preciso cautela neste esforço analítico, dada a patética propensão presidencial de valorizar os seus próprios feitos e às reiteradas tentativas de reescrever a História. Exemplo recente e magistral destes vícios é a notável declaração de que a diplomacia brasileira antes de 2003 se caracterizava por "subordinação intelectual" e "orientação eminentemente (norte)americana" e que hoje "vivemos a melhor relação com a América do Sul que já tivemos em qualquer tempo". Todas as afirmações agridem a verdade. Em diversos momentos da história pré-Lula a política externa brasileira certamente não foi caudatária de Washington. O Mercosul está encalhado e o Brasil foi escalado pelo mundo racional como um segurança hábil, capaz de controlar Hugo Chávez e seus satélites. As alegações do presidente ilustram com brilho o aforismo leninista de que falsas afirmações suficientemente repetidas se tornam verdadeiras. A caracterização fidedigna da política externa no governo Lula não poderia deixar de mencionar o aparelhamento do Ministério das Relações Exteriores, bem refletido nos comentários presidenciais. De fato, a politização da carreira diplomática compromete o profissionalismo do Itamaraty e sua credibilidade como principal órgão formulador da política externa. Fica mais fácil parodiar Clemenceau e temer que política externa seja assunto sério demais para ser deixado na mão de diplomatas.

Em alguns casos, todavia, as palavras do presidente podem servir de base a avaliações do que nos espera no futuro. A impressão que se tem é que o presidente não apenas se rendeu a um programa político baseado na manutenção do "poder pelo poder", mas também abriu mão de assegurar a manutenção dos bons resultados econômicos além de 2010. Cedeu à tentação de dar pouca importância ao que poderá ocorrer depois do fim de seu segundo mandato, especialmente na área macroeconômica. Recentemente explicitou posições claramente conflitantes com a política econômica de seu primeiro mandato. Choque de gestão, segundo o presidente, seria contratar mais funcionários, mais bem remunerados. Seria preciso acabar com "a mania de achar que contratar gente é inchaço da máquina". Existem duas possibilidades para explicar as desastradas afirmações presidenciais: ou a conversão de Lula em 2003 às virtudes da política macroeconômica prudente foi mero expediente eleitoral e Lula no íntimo sempre atribuiu importância secundária ao controle da inflação, ou o presidente desconhece as relações causais entre expansão acelerada dos gastos de custeio, crescimento econômico e inflação. Neste segundo caso, a explicação pode estar relacionada ao fato de ele estar mal assessorado. Isso é coerente com a visível deterioração da capacidade, ou do empenho, que tem mostrado o governo em recrutar técnicos competentes na área econômica. Fora umas poucas ilhas de competência, o que se vê é o fortalecimento de grupos que criticaram consistentemente a política econômica de Lula em 2003 e estão mais do que dispostos a abandoná-la.

O cenário dominante para o período pré-eleitoral de 2010 é a persistência do clima de mercado persa na política, acompanhado de tendência à deterioração do desempenho da economia quanto à inflação e ao crescimento. Ironicamente, é a herança de Lula que pode acabar, de fato, sendo maldita.