O Estado de S. Paulo |
2/10/2007 |
Há um descompasso entre o que diz o presidente Luiz Inácio da Silva e o que pede a bancada de senadores do PMDB para se manter fiel ao governo nas votações legislativas. O presidente manifesta rejeição à barganha, avisa que não negocia “caso a caso”, só faz conversas institucionais e nada aborda que não possa ser dito à luz do dia na presença de pessoas de fino trato. Já o porta-voz da insatisfação pemedebista, o suplente de senador Wellington Salgado, diz o contrário: invoca com a maior sem-cerimônia o lema lançado durante a Constituinte pelo então deputado Roberto Cardoso Alves - “é dando que se recebe” -, dá ao grupo o nome de “os franciscanos” e pede exatamente que o governo negocie no varejo, caso a caso, em transações de baixo preço. Desmentindo a si mesmo, o presidente aceitou os termos do negócio e convidou a turma para um encontro, cujos resultados para efeitos de fotogenia serão os de sempre: troca de amabilidades, piadas daqui e dali, juras de conciliação e, em termos de conteúdo, nada que se aproveite. Os senadores não explicitam seus desejos. O suplente que faz as vezes de mensageiro foi vago ao cobrar para os colegas “prestígio em seus Estados”, embora tenha sido preciso ao estipular o valor de cada senador: “Um chinelinho usado.” É sob esse critério e nesse patamar de conversa que o presidente e senadores da República se reúnem hoje à noite para jantar e tentar superar as dificuldades criadas pelo PMDB na semana passada, ao rejeitar uma medida provisória de segunda categoria na escala de prioridades governamentais, com o evidente intuito de vender facilidades ao Palácio do Planalto. Ou, o mais provável, com o objetivo de obrigar o Palácio do Planalto a facilitar a vida de um dos seus, Renan Calheiros, enquadrando o PT de volta à tropa de defesa do presidente do Senado. Apesar de todas as negativas, esta - a reconstrução da rede de proteção a Calheiros - parece ser a razão mais forte para aquele gesto da semana passada. Afinal, o fato mais inusitado nesse meio tempo não foram as nomeações de petistas para cargos na Petrobrás, mas o surto de indignação do PT pós-absolvição no primeiro dos quatro processos contra Renan Calheiros. Essa é a real correção de rumo que os senadores do PMDB reivindicam. Não por acaso os defensores do presidente do Senado são os capitães do movimento. Esse pessoal, quando quer tratar de cargos, é representado exatamente pelos que eles chamam agora de “os cardeais”. Querem simular distância para disfarçar o objetivo. Falam propositadamente de forma genérica em “carinho”, “chinelinho”, “prestígio nos Estados”, sem especificar quais seriam as pendências. E por quê? Porque de fato só há uma a ser resolvida de imediato: o reembarque do PT no bote salva-vidas que já começava a ficar à deriva. Colaboração O Conselho de Ética do Senado retoma hoje, depois de um mês, os trabalhos nos processos contra o presidente da Casa. Os defensores de Renan Calheiros, como sempre, querem postergar e tumultuar. Até aí nenhuma novidade. Inspiram atenção, porém, os movimentos da oposição, que falou muito e fez coisa alguma nesse meio tempo. Os oposicionistas alegam não ter pressa, para dar tempo de a emenda constitucional do voto aberto ser aprovada. Na prática, os interesses coincidem. Curupira Em poucos dias, o presidente Lula reafirmou algumas convicções que podem ser lidas tanto pela ótica do equívoco quanto pela lógica do atraso. No campo dos equívocos, está a afirmação de que “há um dogma” quanto à exigência de diploma universitário para o exercício da Presidência da República. Não há. O que há é o pressuposto de que formação educacional deve ser um objetivo de todos e um imperativo para quem, como ele, dispõe de condições materiais fartas. No terreno do atraso, Lula produziu duas assertivas erráticas. A primeira desqualifica o valor dos princípios (por ele qualificados de forma pejorativa como “principismo”), aos quais só se deve aderir enquanto se é oposição. Por esse ângulo de visão, entre as responsabilidades de um governante estaria o abandono dos princípios e, portanto, a adesão aos fins que justificam quaisquer meios para alcançá-los. A segunda assertiva, feita ontem - “é preciso parar com a mania de que contratar mais gente para trabalhar para o Estado brasileiro é inchaço da máquina” -, consagra o empreguismo e o gigantismo como metas e marcas de eficiência na gestão. Junte-se a isso a celebração do fisiologismo como norma “culta” do governo de coalizão e teremos o que se pode chamar de um legítimo salto para o passado. Nesse quadro de culto ao retrocesso e desmonte de valores, o anúncio de que Fernando Collor pretende retomar a trajetória interrompida pelo impeachment, candidatando-se ao governo de Alagoas, fazendo uso da licença do mandato de senador, acompanha o padrão. |