quarta-feira, outubro 03, 2007

Choque de gestão


O que mais espanta na declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de que "choque de gestão" no setor público significa contratar mais gente com salários mais altos, não é a contradição com tudo o que vem sendo dito e escrito sobre o assunto, nem o alto custo para a sociedade da transformação dessa tese em prática, como, aliás, vem acontecendo desde 2003. É a candura com que o presidente diz essas coisas, o que estimula seus auxiliares a repetir suas idéias.

"O choque de gestão será feito quando a gente contratar mais gente, mais qualificada, mais bem remunerada, porque aí teremos também serviços de excelência prestados para a sociedade brasileira", declarou o presidente na Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro.

A sociedade quer, sim, serviços públicos melhores. Para dispor deles, paga mais do que tem condições de pagar. Mas o que a prática demonstra, e não é preciso se esforçar muito para comprovar isso, é a progressiva deterioração dos serviços públicos, sobretudo daqueles mais utilizados pelas populações carentes.

Por isso, ela quer o verdadeiro choque de gestão, que aumente a eficiência do setor público e resulte na melhora e ampliação dos serviços prestados, sem ter de pagar mais por isso. O que ela recolhe de impostos é mais do que suficiente para sustentar os serviços de que necessita e, por isso, o choque de gestão que ela quer deve resultar também na redução da carga tributária.

Como o presidente, porém, seus auxiliares têm uma visão completamente oposta a essa. O ministro interino (até agora!) de Minas e Energia, Nelson Hubner, por exemplo, afirmou que faz parte "de um grupo do governo que faz questão de aumentar o custo da máquina estatal" e, por isso, quer aumentar o número de funcionários. Quer esfolar mais os contribuintes - e não hesita em se gabar disso.

Alguns, como o novo diretor de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), João Sicsú, têm explicações mais elaboradas para uma idéia semelhante a essa. Em artigo publicado segunda-feira no jornal Valor, Sicsú disse que, numa situação de desemprego, combater o déficit público com corte de gastos "é tarefa quase impossível". Segundo seu raciocínio, "um corte de gastos correntes e de investimentos em situação de elevado desemprego provocará uma redução da arrecadação, porque agravará o desemprego". Em resumo, diz o diretor do Ipea, cortar gastos públicos pode aumentar o déficit. E durma-se com um raciocínio desses!

Num governo em que se disseminou essa maneira de pensar não causa nenhuma estranheza que a máquina administrativa esteja cada vez mais inchada - e mais emperrada - e os gastos com sua manutenção, essencialmente com o funcionalismo, cresçam de maneira vertiginosa. Desde o início do governo do PT, em 2003, foi autorizada a contratação de 94.765 funcionários por concurso. Os cargos em comissão, que eram 17.559 em 2003, passaram para 19.724 em fevereiro deste ano. Só em 2007 foram autorizados concursos para a contratação de 13.280 servidores. O Orçamento deste ano autoriza o governo a contratar 28.727 funcionários, o que significa que mais gente será admitida até dezembro.

Para 2008, a situação não será diferente. A proposta orçamentária que se encontra em exame pelo Congresso prevê que os gastos com pessoal terão aumento nominal de 10,8%, o que resultará em crescimento real de 5,9% (se a inflação ficar em 4% em 2007), bem mais que o aumento projetado para o PIB neste ano.

Quanto mais o governo gasta com custeio, menos dinheiro lhe sobra para investir. Ao mesmo tempo, cada centavo a mais nos gastos do governo significa um centavo a menos à disposição do setor privado. A carga tributária, por ser excessivamente elevada, tornou-se um dos principais obstáculos ao crescimento mais rápido da economia brasileira. Se o governo continuar a gastar cada vez mais com o funcionalismo, como anuncia o presidente, acompanhado do coro de seus auxiliares, pior resultado terá seu plano prioritário de aceleração do crescimento.

Mas com certeza os apadrinhados do PT e dos partidos da base aliada adorarão. Afinal, não é sobretudo para beneficiá-los, acomodá-los em empregos públicos sustentados pelos contribuintes, que o governo vem fazendo o seu "choque de gestão"?