Partindo do princípio de que o objetivo de longo prazo de políticas sociais é “permitir aos indivíduos realizarem seu potencial produtivo”, o economista Marcelo Néri, da Fundação Getulio Vargas no Rio, diz que essas políticas públicas deveriam fornecer portas de saída para a pobreza “através da abertura de caminhos e plataformas de acesso aos mercados”. O Bolsa Família seria, nessa avaliação, “uma plataforma de acesso aos pobres que o Brasil nunca teve, mas por enquanto, é só uma plataforma. Ainda não tem uma pista para as pessoas decolarem”. Segundo Marcelo Néri, os principais elementos hoje perseguidos no desenho de inovações das intervenções sociais podem ser sintetizados nos conceitos de “incentivos”, “informação” e “infância”.Ele fala principalmente em uma Bolsa Família 2.0, que teria “incentivos à demanda por acumulação de capital humano combinada à melhora da oferta da qualidade das políticas estruturais tradicionais associadas, onde saúde e educação ocupam lugar de destaque”. Como exemplos nessa direção, Marcelo Néri cita o PAC de educação e uma nova agenda que desponta na área de saúde, “a começar por unanimidades como a provisão de saneamento básico, passando a áreas mais polêmicas como controle de natalidade, e chegando a campanhas antitabagistas e contra acidentes de trânsito, pragas da saúde pública” .
Os aprimoramentos desejados do Bolsa Família, teriam, segundo Néri, como prioridade “buscar uma focalização cada vez mais eficaz do programa e combater alternativas menos focalizadas e mais permanentes como os reajustes do salário-mínimo e a universalização incondicional da renda mínima ” .
Em segundo lugar está a melhoria das condicionalidades do programa.
Ele diz que o Bolsa Família “parece ser um bom programa de transferência de renda ‘que dá o peixe’, mas não um programa educacional revolucionário que ensina a pescar”.
Um ponto crucial é o da melhora na qualidade da educação, cujo centro de atenções não deve ser a freqüência nem mesmo estar matriculado na escola, mas “ qualidade da educação, que é baixíssima no Brasil”.
Marcelo Néri propõe usar “incentivos pecuniários” para que as crianças fiquem mais tempo nas escolas e se motivem a melhorar o aprendizado. Com os resultados da Prova Brasil, avaliação de proficiência representativa de cada escola pública, Néri sugere criar “sistemas de metas e de fornecimento de crédito social baseados no desempenho auferido”. Ele ressalta que os incentivos devem ser para que as crianças “melhorem de nota”, e não estabelecer “o nível das notas”.
Seria necessário também atuar na pré-escola e mesmo em creches, na faixa de 0 a 6 anos, e “integrar estes incentivos de demanda com elementos de oferta de educação como os discutidos no âmbito do Fundeb e agora do chamado PAC educacional”, o que poderia ser mais eficiente do que o Bolsa Família como está, que só cobra a vacinação das crianças.
E na fase posterior de atuação do Bolsa Família, Néri sugere “criar não incentivo ao primeiro emprego mas, através de uma segunda Bolsa Família, melhorar os baixos níveis educacionais observados em todas as partes do Brasil”. Por fim, ele aponta como medida crucial “melhorar o acesso a mercados de bens e financeiros, estendendo a fronteira creditícia até onde ela nunca foi antes: aos pobres e informais”, através do uso colateral dos benefícios sociais. Néri cita o economista e banqueiro de Bangladesh Muhammod Iunus, que em 2006 ganhou o Prêmio Nobel da Paz. O chamado “banqueiro dos pobres” pretende acabar com a pobreza através do Grameen Bank, que oferece microcrédito para milhões de famílias. De acordo com Muhammad Yunus, o pobre deve entrar no mercado, o que seria, segundo Néri, “uma espécie de choque de capitalismo nos pobres”.
Os fluxos de caixa prospectivos dos programas sociais “constituem potenciais garantias creditícias, e o Estado pode se valer desses canais para expandir a oferta de crédito dos mais pobres”, avalia Néri. Segundo ele, “o efeito colateral das políticas redistributivas hoje em difusão no país é aumentar o potencial de garantias dos pobres”. O fato de essas bolsas levarem ao setor informal “dinheiro e tecnologia informacional através de cartões eletrônicos de entidades com tradição creditícia cria oportunidade ímpar de alavancagem do colateral de empréstimos dos pobres”, ressalta.
Segundo Marcelo Néri, “a colateralização das bolsas de programas sociais, assim como a regularização fundiária, são maneiras de democratizar o acesso ao crédito no país através do reconhecimento de direitos mais amplos de propriedade por parte dos seus detentores, no caso o direito do indivíduo de usar ativos como garantia de empréstimos”.
A associação do acesso a crédito ao Bolsa Família “é possível e é muito mais barato, pois existem instituições creditícias, como a Caixa Econômica Federal, que têm o cadastro dos beneficiários do Bolsa Família e todos os custos fixos para executar boa parte deles já foram incorporados na própria instituição do programa”, lembra o economista Marcelo Néri, da Fundação Getulio Vargas no Rio.