terça-feira, setembro 25, 2007

Luiz Garcia - Crianças nas calçadas




O Globo
25/9/2007

Uma pesquisa da prefeitura informa: está crescendo o número de crianças nas ruas do Rio. Mesmo em bairros nobres (adjetivo usado para justificar o metro quadrado mais caro), e onde o total de moradores de rua caiu um pouco, as crianças sem teto são mais numerosas.

São menos famílias inteiras dormindo sob marquises - e mais meninas e meninos sozinhos dormindo nas calçadas. O que isso significa, ninguém parece saber.

Nas manhãs, pedestres encontram a cada quarteirão de bairros da Zona Sul os dois grupos distintos. Homens e mulheres sozinhos (elas, às vezes, com bebês e crianças pequenas) dormem enrolados em trapos, com alguns bens miseráveis ao lado. E muitos meninos - meninas, mais raramente - quase todos apenas de calção, ressonam nas calçadas, às vezes já na manhã alta.

Mais parecem desmaiados do que dormindo. Os indícios do uso de drogas são fortes.

Mas a pesquisa oficial não mostra cenas, apenas números. Um dado revela mudança de perfil: aparentemente, caiu o número de moradores de rua vindos do interior. O de cariocas aumentou, e muito: eram 6,2% do total, já são 27,2%. Estamos importando menos a miséria do interior e de outros estados. O que seria bom sinal - não fosse o aumento dramático dos miseráveis cariocas de nascimento.

Outra cena comum é a de meninos e adolescentes trabalhando, como podem, nos sinais fechados. Quase sempre, vendem saquinhos de balas, que engancham nos espelhos de automóveis parados em sinais. Ou fazem exibições quase sempre patéticas, às vezes comoventes, de prestidigitação com bolas. Não há pesquisas sobre quanto ganham com isso. Talvez seja apenas melhor do que não fazer nada. As autoridades prometem investigar a possibilidade de que sejam explorados por adultos.

Se acontece, é mesmo um crime feio. Mas, que diferença a tentativa de repressão vai fazer? Se o trabalho policial for produtivo, remove-se de cena por algum tempo o pai, a mãe ou o estranho que se aproveitam do "trabalho" das crianças. E o que acontece com elas? Talvez fosse mais urgente e útil, só por exemplo, uma ofensiva contra a venda de cola de sapateiro e outras substâncias que estão matando aos poucos muitas dessas crianças.

Todo observador sem responsabilidade imediata no problema tem o hábito desagradável de dar palpites. Conto uma história. Onde moro, há uma família de irmãos que vende biscoitos e frutas em duas esquinas. Fazem isso, sem exagero, há 20 anos. Oferecem biscoitos e frutas de boa qualidade. São honestos, gentis e, sem exagero, prósperos. E começaram bem pequenos, pedindo moedas a motoristas.

É uma turma que não faz parte do problema; quem sabe, sua história mostra que há saídas fora do leque oficial.

Talvez estudar casos como esse seja mais proveitoso do que insistir em receituário que nunca deu certo. Como a remoção dos desabrigados para instituições das quais eles fogem logo que podem. Quem não se lembra de quanto o poder público insistiu na velha Fazenda Modelo? Jamais funcionou. Como também não deram certo as tentativas de devolução dos migrantes para suas cidades natais - porque nunca se trabalhou em cima dos fatores que os expulsaram delas.

Enfim, a tragédia das crianças de rua é doença social de assustadora gravidade, com uma quantidade de diagnósticos. E, por mais pesquisas que os especialistas façam, nenhum remédio deu certo até hoje.