sexta-feira, setembro 28, 2007

DORA KRAMER Cada um por si

A administração do "day after" da utilitária rebelião do PMDB no Senado, derrubando medida provisória de criação de cargos, entre os quais um ministério, será um tanto mais complicada do que à primeira vista pareceu.

O presidente Luiz Inácio da Silva, como ocorre nessas ocasiões de desarranjo político, resolveu tomar a si as funções de articulador, avocadas logo após a eleição e em seguida deixadas ao encargo do ministro Walfrido Mares Guias e das lideranças no Congresso.

Veio o caso Renan Calheiros, se impôs a premência da aprovação da CMPF, instalou-se a impaciência com a demora na distribuição dos favores decorrentes da paga à coalizão de 11 partidos e deu-se a desarticulação.

Presidentes da República assumirem a linha de frente da articulação sem um devido anteparo protetor representa sempre um risco. Ainda mais com base tão heterogênea e desprovida de cerimônia na cobrança de suas faturas.

Mas Lula deve saber o que faz, embora nem sempre tenha controle sobre o que diz. Por exemplo, agora discursa contra a barganha e, ato contínuo, abre a temporada de negociações com vistas a retomar as rédeas para evitar maiores prejuízos de arrecadação com eventual atraso na aprovação do imposto do cheque.

E o que espera Lula no tocante aos dois maiores partidos de sua base aliada no Senado, o PT e o PMDB?

Duas legendas divididas a reivindicar linha direta com o atendimento dos respectivos interesses. Comecemos pelo PT, alvo de um dos "recados" pretendidos por Renan Calheiros, a quem desagrada sobremaneira a virada da maré insinuada pela bancada - e explicitada pelos senadores Aloizio Mercadante e Tião Viana - no apoio à sua permanência na presidência do Senado.

Até ontem não havia chegado à bancada petista nenhuma orientação para um recuo dessa posição na semana que vem, quando serão examinados os dois processos contra ele mais complicados: as acusações de sociedade fraudulenta por meio de laranjas num jornal e duas rádios em Alagoas e do comando de um esquema de arrecadação de propinas em ministérios do PMDB.

E os petistas esperam que não chegue nenhuma imposição porque, avisam, serão obrigados a discordar dela. Acham que o governo não pode tratar o assunto como questão partidária nem misturar suas necessidades quanto à CPMF com as conveniências de Calheiros.

Tradução: para o PT, o Planalto deve se acertar com o PMDB sem se imiscuir na posição a ser adotada por cada um dos senadores no caso do presidente do Senado. Como não houve fechamento de questão de verdade em nenhum partido, nem mesmo no PMDB, os petistas não podem ser cobrados a firmar solidariedade a Renan Calheiros em nome da dita governabilidade.

Até porque a pressão - para não incorrer na indelicadeza de dizer chantagem - do PMDB começou há mais tempo, na Câmara, quando o relator da CPMF na comissão especial, Eduardo Cunha, manobrou até conseguir a nomeação de Luiz Paulo Conde para Furnas.

Entre os senadores pemedebistas prepondera o mesmo espírito: separe-se a questão Calheiros, a respeito da qual não há unanimidade da bancada, e estabeleça-se um diálogo direto com outros interlocutores que não apenas os habituais: Calheiros, José e Roseana Sarney e Romero Jucá.

Os senadores querem falar com o governo - e indicam como porta-voz o líder Valdir Raupp - e não mais ser tratados, na expressão do senador Valter Pereira, como uma "manada" à qual se impõe a ordem do voto sem espaço para discussão.

Entre os pemedebistas, aconselha-se o governo a não tomar o episódio de quarta-feira à noite como uma rebelião - ou uma "rasteira", no dizer do ministro Walfrido - fortuita.

"Se não houver um tratamento mais adequado, haverá desdobramentos", diz Valter Pereira, sem adiantar se estaria falando em novos levantes para derrubar projetos governistas. "Digo apenas que não seremos garroteados e que o movimento é mais profundo do que pareceu a princípio."

Resumo da ópera: para sair da sinuca, Lula não precisará só de cargos e emendas. Necessitará também dar muitos nós numa enxurrada de pingos d?água.

Outra visão

O senador Jarbas Vasconcelos, dissidente oposicionista no PMDB, enxerga com outros olhos o resultado da rebelião pemedebista de quarta-feira e não concorda que o vencedor tenha sido Renan Calheiros e a perdedora, a oposição que avalizou a manobra.

"A oposição não tinha jeito de votar diferente, pois discordava mesmo da medida provisória dos novos cargos e a Secretaria de Longo Prazo."

De resto, acha que ficou mal para todo mundo: "Para o governo, que teve expostos a precariedade de sua base de apoio e o jogo descarado em busca de cargos e emendas; para o Renan, que demonstrou mais uma vez sua falta de caráter, desgastando-se com o PT e o Planalto; e para o Senado, que sofreu mais um processo desmoralizante e continua a conviver com um presidente desqualificado como se isso fosse normal."