PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
31/8/2007 |
Se a crise das subprime fosse apenas a queda forte das bolsas, todo mundo poderia estar mais tranqüilo agora, em que há mais dias positivos que negativos. Mas a verdadeira fonte de risco é o desdobramento da crise no mercado imobiliário e na economia real do maior PIB do planeta. E, quanto a isso, as informações são ainda muito nebulosas. Ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse, mais uma vez, que o Brasil está preparado para cenários mais dramáticos. Isso porque o mundo conta hoje com outros países, além dos Estados Unidos, para puxar o crescimento. Essa é uma discussão que vem se dando entre os economistas, mas é difícil imaginar que, num mundo tão interligado, algum país possa simplesmente passar incólume por um abalo - que tem chances de ser grande - na principal potência econômica do mundo. A crise das subprime vai muito além de problemas no mercado financeiro. O bilionário mercado de hipotecas americano impacta a economia direta e indiretamente. Ainda não se sabe qual é o tamanho dos estragos que aconteceram neste mercado. Vai se saber aos poucos, quando as hipotecas forem sendo renegociadas, e o caroço da inadimplência for sendo digerido pelo sistema financeiro. Os cálculos são de que, em outubro, US$50 bilhões de hipotecas serão renegociados. No começo do ano que vem, será o dobro disso. Os juros que estão sendo exigidos dos clientes, mesmo dos bons pagadores, são maiores, pois o risco subiu. Isso vai aumentar o volume de retomada dos imóveis ou, na melhor das hipóteses, aumentar a parcela da renda do consumidor destinada ao item habitação. Num cenário assim, as pessoas tendem a ficar mais desconfiadas, com mais medo de consumir e se comprometer com novos gastos. Até porque a facilidade dos financiamentos estava dando aos americanos mais propensão do que eles já têm ao consumo. O tamanho desse freio de arrumação só aos poucos se saberá. As bolsas podem voltar a oscilar ainda mais, dependendo da decisão do Fed sobre a taxa de juros. Ontem, só a expectativa para o discurso que será dado hoje pelo presidente do Fed, Ben Bernanke, já foi motivo para um dia pior nos mercados americanos. Se os juros forem cortados em setembro, a reação boa pode não ser tão importante, pois, como o mercado diz, já "está no preço" essa redução; todo mundo está esperando. Mas, se a decisão for não cortar os juros, o pessimismo pode aumentar. Até por razões concretas: o corte nas taxas afetaria positivamente os tomadores nas revisões de suas hipotecas. Esta semana, Ben Bernanke deu uma tranqüilidade ao mercado ao dizer que as agências de crédito imobiliário subsidiadas pelo governo - que têm os curiosos nomes de Fannie Mae e Freddie Mac - poderão ajudar no refinanciamento das dívidas. A despeito dessa notícia, ontem mesmo, a Freddie Mac anunciou que perdeu US$320 milhões com hipotecas, o que reduziu seu lucro em 45%. Se o Fed usar as duas agências como tábua de salvação para evitar o prejuízo de outras instituições, poderá espalhar outro risco: o risco moral, isto é, a impressão de que imprevidências não têm custo. A Standard & Poor"s acha que o efeito nos mercados financeiros dos países desenvolvidos será maior agora que na crise do final dos anos 90. A análise faz sentido: aquela crise era nossa, dos emergentes; esta é deles diretamente. Um dos efeitos se refletirá nos balanços dos bancos. Alguns estão mais expostos, como Bear Stearns e Deutsche. Outros, menos. Mas, no geral, a S&P está prevendo uma queda de 47% nos ganhos dos bancos de investimento nos últimos seis meses deste ano. Agora se descobriu que a China está muito mais exposta ao risco das hipotecas subprime americanas do que se imaginava, mas os bancos chineses, com muita liquidez, não estão passando por riscos maiores. É bom lembrar, porém, que a pouca visibilidade do que se passa nos bancos estatais chineses torna qualquer análise meio perigosa. De qualquer forma, as famílias chinesas são mais poupadoras que consumidoras, e isso dá mais liquidez ao sistema. O dado revisado do PIB americano do segundo trimestre mostrou que os EUA cresceram 4%, um bom ritmo. No entanto, todo mundo está de olho é no número do terceiro trimestre, para ver até onde foi o impacto da crise na economia real. As previsões para o segundo semestre são de menor crescimento, com o consumo das famílias caindo, pois, ao gastar mais com os imóveis, sobra menos dinheiro e diminui também a sensação de riqueza. No Brasil, os juros de mais longo prazo estão subindo. Isso deverá ter um impacto maior em dois setores muito importantes da economia: automóveis e construção civil. Ambos vinham crescendo com a ajuda dos financiamentos. Só que, para poderem fornecer compra com parcelamento, precisam se financiar. E esse financiamento agora está ficando mais caro. Querendo ou não, sempre haverá o impacto do mercado financeiro na economia real - ainda que, desta vez, acabe sendo em menor tamanho. Isso acontece tanto nos momentos bons quanto nos ruins. |