A crise financeira não acabou, mas a pausa dos últimos dias permite fazer um balanço sobre os efeitos no Brasil. O economista José Roberto Mendonça de Barros acha que o país vai continuar crescendo, mas perderá a aceleração do crescimento que vinha acontecendo nos últimos tempos. Acredita que esse aumento do ritmo já está comprometido, e os sinais aparecem no mercado de crédito.
O crédito estava em expansão no Brasil. José Roberto acha que agora ele pára de se expandir.
— O mercado de carros no país estava vivendo um momento do tipo do que levou à crise das subprime.
O consumidor ia trocar um carro de R$ 30 mil por um novo que valia R$ 50 mil.
Com dinheiro tão farto e juros baixos, recebia a sugestão de financiar R$ 30 mil, e o troco de R$ 10 mil usava para gastar. Isso aumentava os riscos, e agora vai acabar — disse ele.
Segundo o economista, as financiadoras de automóveis já estão com tabelas novas, mais caras.
— Um efeito que já aconteceu aqui foi o fortíssimo aumento das taxas de juros prefixadas mais longas, tanto na BM&F, quanto nos papéis do governo e nos papéis privados. Significa duas coisas: primeiro, o otimismo de baixar os juros continuamente já se reduziu; segundo, já há uma elevação dos juros do crédito ao consumidor.
Para financiar um carro, financeiras tomam dinheiro, e elas estão pagando mais caro. Agora os juros ao consumidor ficarão mais altos e o prazo um pouco menor.
Isso já está acontecendo.
A farra de comprar carro com sete ou oito anos para pagar acabou. O crédito fica mais caro e mais difícil.
Outro efeito, comenta José Roberto, será sentido no setor de imóveis: — É uma pena. O mercado imobiliário estava taxiando na pista para decolar e pode ter dificuldades.
Estrangeiros interessados na aplicação em prefixados reduziram seu ímpeto e até saíram dos papéis.
Essas aplicações de longo prazo que eles estavam fazendo é que seriam o lastro para que o setor imobiliário crescesse forte.
Se olhar na bolsa a cotação das empresas do setor imobiliário, elas sofreram mais que a média.
Apesar desses efeitos, ele acha que o Brasil vai crescer 4,9% este ano e, para o ano que vem, ainda não reviu o dado de 4,8%. Mas, em 2008, acredita, pode haver uma redução do ritmo.
— É verdade que o Brasil está hoje numa situação macro muito mais forte que no passado. A reação à crise não vai ser, por exemplo, uma explosão do dólar, como em outras ocasiões. Entretanto hoje o país está mais plugado no mundo; depende mais do que acontece lá fora.
O economista, que me concedeu uma entrevista na Globonews, acha que a economia americana já está afetada. Vai crescer menos que 2% este ano e, no ano que vem, na melhor das hipóteses, deixará de crescer um ponto percentual do PIB, apenas pelo efeito do mercado imobiliário.
— O tamanho do conjunto das atividades ligadas à construção é enorme nos Estados Unidos. Os corretores, a publicidade, material de construção, lojas especializadas, decoração.
Todos esses estão começando a pagar o preço. E como leva um certo tempo para que o fenômeno pegue todos os segmentos, o efeito cheio deste impacto está no PIB do ano que vem.
Todas as vezes, com exceção de apenas uma vez, nos últimos 30 anos, que a construção civil teve recessão nos EUA, a economia americana entrou em recessão.
Além disso, há o fato de que o crédito jorrando para a compra de imóveis estava alimentando o consumo em outras áreas e produzindo nas pessoas a sensação de poder, o chamado efeito riqueza, que as levava a consumir mais. Esse fenômeno que acontece na cabeça do consumidor pode espalhar o efeito da crise para outros setores, e um indicador disso foi a queda da expectativa do consumidor apurada pela Universidade de Michigan.
José Roberto explica que esta crise de agora nasceu exatamente do remédio que o mercado financeiro inventou contra as crises. Para evitar o que houve no passado e que atingiu o setor bancário, os bancos decidiram se proteger transformando todas as dívidas em ativos através do processo de securitização. A dívida securitizada virou um ativo financeiro que foi vendido adiante. Para fugir dos limites regulatórios, os bancos despejaram muitos desses papéis nos fundos. Essa era a forma, explicou o economista, de diluir o risco e evitar que qualquer turbulência virasse uma crise bancária.
— Até aí, tudo bem. Nos últimos anos, com liquidez fenomenal e a disputa dos fundos por maior rentabilidade, os de tipo hedge passaram a se alavancar tomando empréstimo junto aos bancos. É o exemplo da Bear Stearns, que tinha US$ 100 milhões de capital e US$ 1 bilhão de dívida. A crise surgiu quando o problema do mercado hipotecário se cruzou com o sistema bancário.
José Roberto afirma que isso acabou produzindo uma situação que é pior que a anterior.
— Quando a crise era bancária, os bancos centrais sabiam onde estava o problema, para atuar; hoje isso não é mais verdade. Um pedaço disso foi para os bancos.
Sabe-se que tem prejuízo, mas não sabe onde. Os banco centrais estão atuando cautelosamente, pois não têm clareza do tamanho.
Não podem deixar a instituição financeira quebrar; mas também não podem dar cobertura para exageros no mercado de crédito, não podem premiar ato irresponsável.
Eles estão divididos entre essas duas coisas.
Isso vai demorar a se resolver, na opinião do economista.
— A turbulência está longe de terminar, ainda há um bocado de problemas e prejuízos para aparecer. Os mercados seguem aflitos e voláteis por mais algum tempo. Só o futuro dirá por quanto tempo.