O Globo |
28/8/2007 |
Não é assim em toda parte, mas, no Brasil, funcionários públicos podem legalmente entrar em greve. Há uma ressalva, tão importante quanto óbvia: é obrigatório que durante a paralisação seja garantido o atendimento, diz a letra da lei, "de necessidades inadiáveis da população". É o reconhecimento de que o povo nada tem a ver com problemas no relacionamento entre servidores e o Estado patrão. Seria muito bom se a garantia valesse de verdade. Alagoanos e paraibanos podem dar testemunho recente. Na Paraíba, uma greve de cirurgiões demorou pouco, só dez dias. Foi o bastante para causar duas mortes. A primeira vítima foi uma mulher de 28 anos. Tinha arritmia cardíaca e não foi operada na data marcada devido à paralisação. Morreu dois dias depois. A outra quase escapou: também com problema cardíaco, sua internação para ser operada foi adiada devido à greve. Morreu horas antes do anúncio do fim do movimento. Perguntem às famílias se "quase" consola. Em Alagoas, após quase três meses de paralisação, os médicos voltaram ao trabalho no fim da última semana, mas cinco mil funcionários técnicos não interromperam a sua greve, iniciada dias antes. Paralisaram o atendimento, exceto para casos urgentes. Num só dia, morreram seis pacientes da Unidade de Emergência de Maceió. Os grevistas exigem aumento salarial de 80%. Podem até merecê-lo. Mas o preço é alto demais. Os médicos alagoanos continuam em estado de greve: exigem que o governo estadual retire as ações judiciais que declaram a paralisação ilegal. Em princípio, as autoridades não podem desistir de defender nos tribunais o respeito a um dispositivo legal explícito, para satisfazer grevistas ou quem quer que seja. Na prática, cidadãos preocupados talvez devam levar em conta o que pensa a respeito o governador do estado, Teotônio Vilela Filho, do PSDB. Domingo passado, ele assinou um artigo na "Folha" com afirmação espantosa: "...do meu ponto de vista, uma greve é legítima, é ética, quando existem recursos para pagar o que pretendem ganhar os grevistas". Quem entende? Princípios éticos e direitos legais variando segundo o fluxo de caixa? Se o governador pensa assim, talvez seja mais fácil entender o desprezo dos comandos de greve no seu estado pelas vidas que dependem do sistema público de saúde. Quem sabe, os sindicalistas do setor público local acreditam que o respeito fiel a "necessidades inadiáveis da população" seria incompatível com o atendimento de suas reivindicações. Acreditariam em tese, claro - devido à escassez do exemplo de movimentos em que essas necessidades tenham sido escrupulosamente atendidas. Em geral, só se tem notícia e experiência das greves do outro tipo. Aquelas que levam à morte de quem não tem nada com isso. |