sábado, agosto 25, 2007

FERNANDO GABEIRA

A cidade e a mata

MINHA MISSÃO era defender um pequeno pedaço da mata atlântica. Ao subir a serra de Petrópolis, encontro parte de seu esplendor: o verde exuberante, orquídeas e bromélias mencionadas no livro de Warren Dean como plantas que se alimentam das nuvens, do nutriente da névoa que nos envolve aqui em cima. São 300 alqueires de mata, possivelmente secundária. Os donos eram alemães que se instalaram em Juiz de Fora, os Krambeck.
Eles queriam plantar apenas o que para eles eram árvores nobres, mas tiveram que se contentar com as espécies nativas.
A natureza da missão era bastante nítida. A cidade desmatou seus morros, hoje densamente ocupados, e poluiu seu rio, o Paraibuna. Há um projeto de construir um condomínio de luxo num dos sítios da mata.
Era preciso participar do movimento que propõe que a cidade se deixe invadir pela mata remanescente, e não o contrário -isso não a invade com os seus hábitos de consumo.
Eram impressionantes a presença e o entusiasmo das pessoas, numa segunda à tarde. Surgiram mil idéias: construir um jardim botânico, produzir mudas para reflorestar as margens do rio, usá-las para levar crianças de escolas e, até nos espaços que restarem, construir uma espécie de pronto-socorro para animais feridos.
Essa viagem foi um parênteses no debate nacional. Ninguém disse que o Brasil não tem jeito, que os políticos são corruptos e que um processo de decadência está roendo nossas entranhas. Muitos pensam assim. Mas ali, diante de coisas simples e diretas, parecíamos movidos apenas pela idéia da sobrevivência.
Foi inaugurada uma praça na cidade, sem uma única árvore, sem um único brinquedo. Quando começam a chamar de praça um quadrilátero de cimento, alguma coisa mudou.
O poeta da cidade, Murilo Mendes, escreveu "que pena que tenho do Paraibuna, não pode deixar de passar por Juiz de Fora".
A cidade está reagindo. Talvez valha a pena falar mal do país, uma boa parte da semana, se dedicamos pelo menos um dia a evitar que ele vá, totalmente, para o buraco.
Ao deixar a cidade, recebi um estudo sobre a situação de seus hospitais públicos, um novo dado na crise que se aproxima. Há gente morrendo na fila de operações cardíacas e, como as filas são longas, quase ninguém se dá conta.
A própria mata está cercada de trilhas de caçadores, e sua borda apresenta sinais de incêndio. No alto da serra, entretanto, as bromélias nos ensinam que há nutrientes na névoa e também que nós, de vez em quando, precisamos do alimento das nuvens.