O Estado de S. Paulo |
31/8/2007 |
“Estamos todos aqui perplexos”, relatava ontem à tarde um dos mais antigos ministros do Supremo Tribunal Federal, traduzindo o estado de espírito reinante entre os magistrados diante da conversa do ministro Ricardo Lewandowski reproduzida pela Folha de S. Paulo de ontem, em que ele diz ao telefone que o acatamento da denúncia contra os 40 acusados no caso do mensalão foi uma decisão pautada pela pressão da imprensa. “Todo mundo votou com a faca no pescoço”, afirmou o ministro, avaliando para o interlocutor que, ao contrário do resultado da sessão concluída horas antes, a tendência inicial da Corte era “amaciar para o Dirceu”. A expectativa era de que a presidente do STF, ministra Ellen Gracie, divulgasse - como foi feito durante a tarde - uma nota “incisiva” reiterando a independência de convicções de cada um dos magistrados ao tomar suas decisões ao longo de cinco dias de julgamento. Há dois aspectos na questão: um interno e outro externo. Internamente, Lewandowski ficou numa situação periclitante perante seus pares, que já estavam ressabiados por conta da divulgação da troca de e-mails dele com a ministra Cármen Lúcia no primeiro dia daquele julgamento, falando sobre votos de colegas, as divergências dentro do tribunal e as articulações do governo para a indicação do substituto de Sepúlveda Pertence. Insinuavam até que a nomeação do novo ministro estaria condicionada a votos - no caso específico citado, do ministro Eros Grau - na denúncia do mensalão. Naquele episódio, Cármen Lúcia foi mais criticada porque “puxava” o diálogo. Lewandowski poderia, na avaliação dos ministros, ter cortado o assunto. Como aceitou os termos da conversa, sua atitude foi condenada. Agora, como protagonista de mais um caso de flagrante de inconfidência sobre o conteúdo de decisões, o ministro atraiu para si a animosidade, piorando bem o já suficientemente espinhoso ambiente no tribunal. Sob a ótica da repercussão externa, não resta dúvida de que a Corte foi exposta. Por menos que faça sentido a avaliação de Lewandowski, pois a “faca no pescoço” aludida por ele não poderia produzir por si só a riqueza dos debates exposta nas cinco sessões, de quarta-feira passada até terça-feira desta semana, ainda assim, abre-se espaço aos acusados para produzir marolas à guisa de contestação da decisão do STF. Mais do que isso: revela um acentuado grau de ligeireza na conduta de ministros. Nos e-mails, Lewandowski e Cármen Lúcia dão vazão a futricas em virtude de descontentamento com a posição de colegas. No telefonema, ele manifesta sua contrariedade por ter sido voto vencido no acatamento da denúncia por formação de quadrilha contra José Dirceu. Na verdade, ali, ao contrário do que diz - “para mim não ficou mal, todo mundo sabe que sou independente” -, ficou péssimo. Pois, se a pressão da imprensa determinou o resultado, Lewandowski cedeu voluntária e conscientemente a ela. Abriu mão de suas convicções para seguir a maioria. É de se perguntar: se “todo mundo votou com a faca no pescoço” e o ministro Ricardo Lewandoswki é tão cioso de sua independência, por que não alegou a suspeição do tribunal tão permeável a pressões? Nem precisaria chegar a tanto. Se o magistrado considera que o julgamento foi uma farsa - como se depreende de sua análise sobre a decisão do tribunal - bastaria não participar dela votando de A a Z pelo arquivamento da acusação. A armação insinuada nos e-mails revelou-se fantasiosa no tocante à troca de votos, mas não no que tange ao clima de desconfortos pessoais no Supremo. A versão de Lewandowski em relação à motivação da Corte no acatamento da denúncia do procurador-geral da República tampouco pára em pé, conforme pôde se conferir na transmissão ao vivo das análises sobre a acusação e da sustentação dos votos. Mas não deixa de ser sinalizador de tempos surreais que ministros da Suprema Corte se dêem a leviandades em público, obrigando, como ocorreu ontem, os juízes a virem a público para dizer que a instância máxima do Poder Judiciário votou juridicamente no exame de um processo judicial. Agonia Intriga a estratégia adotada pelos aliados do senador Renan Calheiros. Tentam mudar a sistemática de votação, de aberta para secreta, tentam tumultuar o processo, apresentando à última hora uma acusação de suborno cujo impacto o mais aguerrido defensor do presidente, senador Almeida Lima, esvaziou ao reconhecer que a história era antiga, tentam adiar o desfecho pedindo vistas do relatório em prol da cassação de Calheiros, tentam de tudo e não conseguem nada. Só prolongar o drama, evidenciar a falta de consistência da defesa e tornar cada dia mais difícil a operação salva-vida no plenário. Diante do exposto no parecer de Marisa Serrano e Renato Casagrande, a Casa precisará ser de circo para executar recôndito desejo de absolver.
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