Editorial
O Estado de S. Paulo
29/8/2007
Pelo menos sob o ponto de vista do tão cultivado (pelo partido) marketing político, os petistas não foram felizes na escolha da data para o seu 3º Congresso: justamente a semana em que o Supremo Tribunal Federal (STF), julgando a admissibilidade das denúncias do procurador-geral da República contra os responsáveis pelo famigerado “mensalão”, transforma em réus, por crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha, aqueles próceres do Partido dos Trabalhadores (PT) - a começar pelo grande “capitão do time”, José Dirceu - que protagonizaram o maior dos escândalos da história da Nova República. E mais infeliz se torna tal coincidência por já estar marcado, para a véspera do início do Congresso, um jantar de “desagravo” oferecido pelos petistas a seus correligionários que se tornaram, no Supremo, réus de ações penais.
A circunstância enfatiza a posição que o Partido dos Trabalhadores sempre adotou em relação aos integrantes de seus quadros - e de sua cúpula dirigente - que praticaram “erros” (termo oficialmente consagrado para referir crimes de petistas): o abafamento completo do assunto, a falta total de investigação sobre o comportamento dos acusados e, em última instância, a tranqüila oferta de impunidade aos participantes da “sofisticada organização criminosa” denunciada pelo procurador-geral da República e agora processada no Supremo Tribunal Federal. Lembramos que, logo depois da revelação do escândalo, houve quem falasse da necessidade de “refundação” do partido. Mas essa tese foi logo abolida e o PT não se dispôs a realizar nenhum expurgo ético. Antes, pelo contrário, deu legenda e reelegeu seus mais notórios comprometidos.
Quanto aos temas que serão debatidos nesse congresso, em torno de três eixos - a saber, O Brasil que Queremos, Socialismo Petista e PT - Concepção e Funcionamento -, dá para se supor a prevalência do que ainda exista de mais retrógrado entre as sobreviventes ideologias do mundo contemporâneo. É possível que entre os 981 delegados e os convidados de 32 países, que estarão reunidos de sexta-feira a domingo, surjam concepções de Poder e governo até mais atrasadas do que as vigentes na República Socialista Bolivariana de Hugo Chávez. Por exemplo, está previsto o lançamento de um plebiscito sobre uma proposta de reestatização da Companhia Vale do Rio Doce. Sabe-se, de antemão, que o presidente Lula se opõe frontalmente a essa idéia, assim como ao “socialismo petista”, antítese da política econômica que lhe valeu a fácil reeleição. Mas a esta altura do relacionamento do PT com o chefe de Estado e governo, que comanda uma “coligação” partidária sempre incômoda aos arraiais petistas - para dizer o menos -, é pouco provável que a orientação de Lula seja seguida no congresso partidário.
Outra idéia - “de jerico” - a ser discutida nesse conclave partidário é a da convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva, destinada a implementar a reforma política. Diga-se, antes de tudo, que esta proposta implica numa capitis diminutio explícita das duas Casas Legislativas do Congresso Nacional. A argumentação em seu favor prende-se à premissa segundo a qual o atual Congresso jamais fará uma reforma política porque seus membros se beneficiam do “sistema” político que “aí está”. Deixando de lado o que possa haver de verdade nessa premissa - e há muita -, até que ponto se evitaria, a esta altura, o eventual transtorno institucional provocado por uma Constituinte? E, apesar de todas as negativas - do presidente Lula e, agora, de seu próprio partido - quanto à “tentação” de um terceiro mandato presidencial, até que ponto a ambição de permanecer no Poder maior, ligada à lacuna gritante de lideranças petistas nacionais substitutivas, não poderá transformar o trimandato em opção irresistível?
Mas, afora as discussões institucionais, o Partido dos Trabalhadores terá importantes decisões a tomar, no que diz respeito a sua administração interna - a começar pela escolha de sua próxima cúpula dirigente. Suas respectivas facções internas deverão estar a postos nessa deliberação. Pergunte-se agora: haverá possibilidade de emergir alguma liderança que se imponha ao partido e adquira condições de competir com outras, dos partidos da “base” do governo, tendo em vista a sucessão de que ninguém quer falar já, mas em que todos pensam?