O deputado federal Raul Jungmann, do PPS, esteve recentemente na Bolívia, junto com outros dois deputados — Ruy Pauletti, do PSDB, e Dr. Rosinha, do PT —, numa missão da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, e voltou preocupado com o contencioso “de uma gravidade que parece não estar sendo bem avaliada pelo governo brasileiro”. Para ele, a agenda bilateral “é ampla, densa e de elevado grau conflitivo”, e vai muito além dos problemas com a Petrobras. Impressionou a Jungmann o fato de que “quase todos os interlocutores, em algum momento, falam em conflito generalizado e na possibilidade de guerra civil, mesmo ressalvando que essa possibilidade está distante e é improvável que se concretize”. Mas só o fato de haver cogitações sobre isso “já dá uma dimensão da gravidade do que está acontecendo lá”, comenta o deputado.
Inicialmente, a pauta da visita dizia respeito apenas à questão dos brasileiros que vivem na faixa de fronteira, estimados em dez a 15 mil, pequenos agricultores que se encontravam em vias de serem expulsos porque o governo boliviano resolveu fazer cumprir o artigo 25 da Constituição, que veda expressamente a existência de posse ou propriedade de terras em mãos de estrangeiros na faixa de 50 quilômetros da linha de fronteira. Foi criado um programa conjunto de reconversão produtiva destinado aos agricultores, e para tanto o presidente Lula enviou e o Congresso aprovou recursos de US$ 10 milhões.
Porém, lembra Jungmann, agricultores de outras nacionalidades, sobretudo peruanos, na mesma condição, não estão sendo molestados.Também existem bolivianos na nossa faixa de fronteira, onde há o mesmo princípio de proibição de posse e/ou propriedade, e o Brasil nada faz. Também os sojicultores e criadores de gado, em número aproximado de 800, concentrados no departamento de Santa Cruz de La Sierra, se encontram muito inseguros com o amplo processo de reforma agrária que se iniciará.
Jungmann lembra que, em 2005, Brasil e Bolívia assinaram acordo visando à regularização de estrangeiros vivendo em situação irregular em ambos os territórios. “De lá para cá, ressalta ele, dos mais de 80 mil bolivianos residentes e irregulares no Brasil, sobretudo em São Paulo e concentrados no ramo têxtil, mas de 50 mil foram regularizados. Em contrapartida, dos 35 mil brasileiros vivendo em situação idêntica na Bolívia, nenhum de que se tenha notícia”.
No caso das hidrelétricas do Rio Madeira, o vice-presidente, Álvaro Linera, foi direto ao afirmar que o gabinete presidencial acompanha atentamente a questão. Segundo ele, caso o Brasil decida não levar os projetos adiante, o assunto morre aí. Caso contrário, eles pretendem discutir o impacto decorrente, sob o ponto de vista ambiental e das compensações econômicas necessárias.
“Pelo que nos foi dado escutar, o assunto tem potencial para se transformar em algo similar ao contencioso das ‘papeleras’ que opõem o Uruguai e a Argentina. E, até aqui e ao que se saiba, sem ter despertado qualquer ação preventiva ou exploratória, ao menos, da nossa diplomacia”, comenta o deputado do PPS.
Enquanto os deputados estavam na Bolívia, Cuiabá e boa parte do Estado de Mato Grosso encontravam-se às escuras.
É que a Bolívia/YPFB estava despachando apenas 0,6 dos 2,2 milhões de metros cúbicos contratados. A Bolívia está no limite máximo de sua capacidade de produção, algo ao redor de 45mm cúbicos/dia.
Como 30 mm são despachados pelo Gasbol para São Paulo, sete milhões para a Argentina e o consumo interno boliviano explodiu, foram feitos cortes no volume despachado para Mato Grosso e também para a Argentina.
Em conseqüência, Kirchner fechou com o presidente Evo Morales um contrato ampliando a oferta de gás à Argentina para 27 mm, e passou a pagar mais pelo gás despachado da Bolívia, US$ 5 por mm cúbico. E o Chile, que igualmente sofre escassez de gás, teria sondado o governo boliviano, oferecendo um piso de até US$ 8 por mm, segundo o presidente do Senado boliviano disse aos deputados brasileiros.
“Tal cenário coloca a Bolívia em situação de ‘leiloar’ o gás disponível entre vizinhos, com efeitos imprevisíveis em termos contratuais e de abastecimento. Ao mesmo tempo em que ‘implora’ por mais investimentos da Petrobras, usando a PDVSA de Chávez como ameaça”, analisa Jungmann.
Outra gravíssima questão é o tráfico de cocaína. Segundo o deputado, só nos três primeiros meses deste ano, a Polícia Federal apreendeu mais de 1,5 tonelada de pasta de coca e cocaína refinada na fronteira com a Bolívia, equivalente ao total apreendido durante todo o ano de 2006.
Calcula-se que, hoje, mais de 80% da cocaína produzida na Bolívia esteja sendo “exportada” para o nosso país.
“A dedução é que é daquele país que provém o grosso da cocaína que abastece o crime organizado no Rio e em São Paulo, com todo o impacto de violência, mortes e poder decorrentes”.
Existem pendências em todos os pontos da agenda e nenhuma solução à vista, acusa Raul Jungmann, para quem “inexiste um comando ou uma clara orientação por parte da nossa diplomacia”.
Jungmann critica o que seria uma divisão informal de tarefas no Itamaraty, ficando a América Latina a cargo do assessor especial Marco Aurélio Garcia, com o ministro Celso Amorim se encarregando dos fóruns multilaterais.
A partir de terça-feira escreverei de Cambridge, nos Estados Unidos, onde começa amanhã, na Universidade de Harvard, um seminário sobre violência na América Latina, organizado pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso e o Centro Alfred Taubman.
Acadêmicos dos Estados Unidos e da América Latina estarão reunidos para debater uma agenda de políticas públicas para a região, analisando experiências internacionais.