domingo, julho 01, 2007

E a pobreza continua...

Suely Caldas*

Roma - O tamanho da boa intenção é o mesmo da impotência: conduzida pela Organização das Nações Unidas (ONU), a campanha “Objetivos do desenvolvimento do milênio” produziu resultados escassos, sete anos depois de 189 países assinarem a “Declaração do Milênio”, comprometendo-se com metas para eliminar a pobreza extrema no planeta até 2015. Recursos parcos, olhada de lado pelos países ricos e enfrentando corrupção no mundo pobre, a ONU perdeu o brilho e o poder das épocas do pós-guerra e da guerra fria (em 2003, os EUA violaram seguidas resoluções da ONU invadindo o Iraque) e hoje vive grave crise de impotência - até para mudar uma realidade em que as desigualdades se acentuam no mundo e cresce o fosso entre países ricos e pobres.

Proposta pelo economista norte-americano Jeffrey Sachs, Prêmio Nobel de Economia, a campanha da ONU desviou o rumo de suas ações - dos governos centrais para prefeituras. Nada mais lógico, visto que são os governos locais e não os centrais os responsáveis diretos pela aplicação de políticas públicas de extermínio da pobreza. E na semana passada, pela primeira vez, uma conferência internacional reuniu em Roma, na Itália, associações de governos municipais e prefeitos de cidades pobres, sobretudo da África. A intenção seria fazer um diagnóstico da evolução da campanha sete anos depois, justamente na metade de seu curso, que se encerra em 2015.

Mas nenhum participante - seja representante de uma cidade pobre ou de um país rico - apresentou balanço estatístico das metas do milênio, limitando-se a descrever algumas poucas experiências e ações localizadas. A percepção geral é desalentadora em relação ao objetivo, apesar do otimismo de Jeffrey Sachs, que ele expressou em apenas duas horas de presença na conferência. Consultor da campanha, Sachs enumerou os dilemas da pobreza: educação, saneamento básico, eletricidade, comunicação, transportes, portos, aeroportos, internet, endemias, enfermidades, estradas, modernização, desenvolvimento, enfim. E, sem detalhar casos, garante estar “trabalhando com governos locais e empresas multinacionais interessados em comércio internacional” e que tem conseguido alguns resultados.

Embora falem com cuidado e diplomacia, entre os responsáveis pela campanha - de Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, a Eveline Herfkens, coordenadora-geral - há a convicção de que dois problemas travam ações de combate à pobreza no mundo: 1) nos países pobres a corrupção é regra comum a todos e impede que o dinheiro doado pelos ricos seja aplicado na finalidade; e 2) os países ricos restringem sua participação a doações e fundos de caridade, negando-se a ceder, por exemplo, em negociações comerciais que gerariam renda e empregos nas nações pobres. “É como se dessem esmola”, denuncia a holandesa Eveline Herfkens, coordenadora da campanha.

O endurecimento dos ricos tem sido expresso pela resistência em abrir mão dos subsídios financeiros à agricultura na Europa e nos EUA, que prejudicam a produção agrícola nos países pobres e eliminam renda e empregos no campo, justamente numa atividade fundamental para combater a pobreza. Em discussão na Rodada Doha, os ricos negam-se a acabar com subsídios agrícolas, mas querem que os pobres reduzam tarifas de importação dos produtos industriais que exportam. O presidente Lula tem insistido em cobrar o fim dos subsídios e se nega a reduzir tarifas de importação, enquanto a Europa e os EUA não cederem.

Desde o início prevalece na campanha o conceito de que a pobreza deve ser eliminada com a transferência de renda dos ricos para os pobres, efetuada em dinheiro entre governos. Para isso os ricos deveriam destinar 0,77% de seu Produto Interno Bruto (PIB), meta evidentemente descumprida por todos. A ONU tenta mudar esse conceito, entendendo que fundos de caridade se perdem em gabinetes de governos corruptos e tenta “conscientizar” ricos e pobres para saídas mais dignas. Apesar disso, o tema central debatido na conferência de Roma foi justamente os fundos de caridade que os prefeitos reclamam não chegar a eles - os governos centrais dos pobres não prestam contas e os governos dos ricos não as controlam. E a pobreza segue afligindo 1 bilhão de pessoas no mundo.

*Suely Caldas é jornalista. E-mail: sucaldas@terra.com.br