quinta-feira, julho 05, 2007

Dora Kramer - Cerimônias de adeus




O Estado de S. Paulo
5/7/2007

O presidente do Senado tantas indecorosas fez para proteger sua carência de decoro que seus nobres colegas não tiveram outro jeito a não ser explicitar repúdio pela sua permanência na presidência da Casa.Antes de contar como, quando, onde e por que a Câmara pretende fazer o mesmo, forçoso registrar que os senadores só acordaram depois de receberem umas boas sacudidas do público pagante de seus salários.Por iniciativa própria, até o momento da inédita sessão de quarta-feira, em sua maioria não viam nada de condenável na intermediação do pagamento de despesas pessoais via lobista de empreiteira nem na apresentação de documentação maquiada para comprovação de patrimônio.

Nem falemos da mentira, porque esta há muito já não abala consciências. Dentro e fora do Parlamento, aí incluindo parcelas expressivas do eleitorado.A cerimônia do adeus promovida pelo Senado na quarta-feira - a bom tempo posta em cena para substituir a patética cena da fila da solidariedade de um mês atrás - não foi suficiente para sensibilizar o senador, dono da mesma convicção alagoana sobre a inviolabilidade dos poderosos que manteve Fernando Collor de queixo em riste durante o seu processo de desmanche público.Passou por um vexame e, se insistir, passará por outro na semana que vem, quando o Parlamento começa a examinar a Lei de Diretrizes Orçamentárias em sessão conjunta do Congresso a ser comandada pelo presidente do Senado.

Por iniciativa do deputado Fernando Gabeira foi feita uma questão de ordem, respondida ontem pela presidência da Câmara, sobre a hipótese de um deputado, por congressista, tomar alguma medida contra Renan Calheiros.

Arlindo Chinaglia respondeu conforme a lei - nada pode ser feito - e remeteu a questão ao exame do presidente do Senado. Sem caminhos legais, os deputados vão recorrer à pressão.

O PPS já se manifestou, dizendo que não aceita Calheiros na presidência, o PSOL segue a mesma linha e ontem Gabeira começaria a conversar com Democratas e PSDB, a fim de reeditar a frente que liderou o movimento pela saída do então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti.

Para sustentar a ofensiva, foi pedido ao senador Pedro Simon que conversasse com a CNBB sobre a possibilidade de uma manifestação oficial da Igreja Católica, uma vez que a OAB já explicitou sua posição contrária à permanência do presidente do Senado no posto.

Quanto ao protesto no plenário do Congresso, há várias propostas em exame. A mais impertinente delas, a de deputados e senadores participarem da sessão de costas para a Mesa se o presidente for o réu. Gabeira é contra. “Prefiro o massacre verbal”, diz.

Mas, e se Calheiros se ausentar da votação da LDO, argumentando fazê-lo a bem dos trabalhos, a fim de livrar não ele, mas “o Brasil”, do constrangimento?

Aí Gabeira promete puxar o coro dos descontentes e, ainda assim, transformar a votação numa sessão de protestos conjuntos de deputados e senadores contra a permanência do presidente do Senado no cargo.

O ideal, na opinião do deputado, seria que o governo se mantivesse à distância da batalha

“Queremos denunciar uma situação e não fazer uma guerra entre governo e oposição, porque o melhor é garantir uma sucessão natural com a continuidade da base governista, majoritária, no comando do Parlamento.”

Costas frias

Ciente de que estava perdido, Joaquim Roriz renunciou porque não tinha a solidariedade de ninguém dentro de um Senado já desgastado pela insistência de Renan Calheiros em não “arredar pé”.

E por que o desfecho tão rápido em comparação com o caso Calheiros?

Porque as acusações contra ele não deixavam quase nenhuma margem a dúvidas; porque sua defesa foi patética; porque não quis correr o risco da perda de direitos políticos; porque não dispunha dos instrumentos de poder ao alcance do presidente da Casa para manipular as investigações e tentar evitar a cassação.

Joaquim Roriz caiu rapidamente sobretudo porque não tinha as costas quentes o bastante para sustentar chicanas e alimentar o espírito de corpo.

Foi-se, mas pode ter levado consigo as últimas chances de Renan Calheiros.

Mandrake

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, é um ás na arte da prestidigitação, para não dizer da enganação.

Diante da resistência - do Senado, de empresários, de países parceiros e da regra de exigência de respeito aos ditames da democracia - à entrada da Venezuela no Mercosul, Chávez resolveu simular a dianteira no ultimato dado ao Congresso brasileiro, ameaçando recusar o convite se a proposta não for aprovada nos próximos três meses.

A bazófia de Chávez, na realidade, resolve um problema. Até para o governo brasileiro, que o convidou a participar de maneira precipitada e atabalhoada e agora, confrontado por ele nas críticas ao chanceler Celso Amorim, pode sair dessa sem contabilizar o veto como derrota.