As orelhas ardem RIO DE JANEIRO - Ao ligar a TV no hotel em Roma, caí num programa de auditório. E quem estava no vídeo, todo lampeiro entre peruas com cílios pesados de rímel e jubas engessadas com laquê? O nosso Adriano, centroavante que, pouco antes, cavalgava pelas planícies do Maracanã com a camisa do Flamengo e nem sonhava com a seleção brasileira. Nada mal para um garoto de 20 anos, mal saído da Vila Cruzeiro, na Penha, e vendido às pressas para um clube da Itália. Achei graça.
Isso foi em 2002. Hoje entendo melhor o que acontece a esses garotos, quase todos oriundos da pobreza, que se vêem de repente na Europa, cercados por 2.000 anos de luxo e de história, e já fazendo parte desse luxo e dessa história.
Não importa a cidade -Milão, Barcelona, Baden-Baden, qualquer uma-, eles logo ganham status de heróis. Jogam em times milionários e entrosados, nos quais atuam em suas verdadeiras posições e rendem o que sabem. Tornam-se artilheiros, conquistam títulos históricos e justificam os milhões de euros que recebem. Tudo que fazem é notícia. As TVs os adoram, as mulheres caem aos seus pés e não é por acaso que quase nenhum deles é casado. É a glória.
E então, no melhor da festa, a seleção brasileira os convoca para torneios pífios, como a Copa América, ou amistosos contra o Uzbequistão.
E é sempre a mesma coisa. Os jogadores só se reúnem ao entrar em campo. São escalados fora de suas posições e jogam mal. O time não se entende e, se vencer, eles não fizeram mais que sua obrigação. Se perder ou empatar, o que hoje é comum, suas orelhas ardem ao som dos resmungos de milhões. Fora o risco de se machucar e ficar de fora do que realmente lhes importa: seus times europeus. A seleção, para eles, não quer dizer mais nada. É apenas um estorvo amarelo.