sábado, junho 30, 2007

Paris, Te Amo: dezoito visões sobre a cidade

Turismo cultural

Em Paris, Te Amo, vinte diretores dão sua visão da
cidade. A irregularidade, claro, é o defeito do projeto


Isabela Boscov

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Trailer do filme

Na sua encarnação mais recente, os filmes feitos à moda de uma coletânea de contos parecem querer criar na platéia a sensação de que, ao vê-los, ela estará cumprindo uma boa ação – seja inteirando-se do que cineastas de procedências diversas têm a dizer sobre o 11 de Setembro, como na antologia homônima, seja prestigiando os esforços do Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância, como em Crianças Invisíveis. Em geral, assistir a tais filmes exige de fato um tanto de altruísmo, já que, se há uma característica capaz de definir esse subgênero, essa é a irregularidade. Para tomar Crianças Invisíveis como exemplo, pula-se de um episódio canhestro, como o do africano Mehdi Charef, para outro bom, como o do bósnio Emir Kusturica, e assim se vai, aos trancos e barrancos, até um final que tem cara de qualquer coisa, menos de conclusão. Paris, Te Amo (Paris, Je T'Aime, 2006), que estréia nesta sexta-feira no país, trata um pouco melhor sua platéia. Primeiro porque, à exceção mais flagrante de um de seus dezoito episódios, a intenção aqui não é fazer proselitismo nem despertar consciências, mas sim explorar um aspecto instigante da cidade – a maneira como todos, nela, são um pouco turistas ou imigrantes. Depois, porque a montagem procura (nem sempre com sucesso) ocultar as costuras entre esses muitos capítulos, como se eles se emendassem uns nos outros pelo sentido. E, finalmente, porque dar uma passeada por Paris nunca fez mal a ninguém.

A irregularidade continua a ser o defeito do projeto. Entre os pontos baixos há uma tolíssima história de vampiros com Elijah Wood e um delírio no bairro oriental, a cargo do australiano Christopher Doyle – além de um decepcionante episódio dirigido pelos irmãos Coen, no qual Steve Buscemi atravessa uma situação embaraçosa na estação de metrô de Tuileries. Um episódio que parte de uma idéia divertida, a de mostrar como os parisienses odeiam os mímicos que vivem de atormentar os transeuntes, já larga em desvantagem por ser protagonizado exatamente por um mímico. A surpresa é que os pontos altos contam-se em maior número. A anglo-indiana Gurinder Chadha, de Driblando o Destino, contribui com uma bela historieta sobre a paquera entre um rapaz francês e uma menina árabe que optou por usar o véu. A espanhola Isabel Coixet acerta em cheio no enredo, narrado em tom de melodrama, do homem que se reapaixona pela mulher ao descobrir que ela está à morte. O alemão Tom Tykwer constrói um romance intrigante entre um menino cego e uma jovem atriz americana, interpretada por Natalie Portman, enquanto o sul-africano Olivier Schmitz assina o mais poético dos episódios, sobre um nigeriano esfaqueado que reconhece, na paramédica que o atende, a moça que ele havia cortejado com uma canção alguns dias antes. E o último episódio, dirigido por Alexander Payne (de Sideways) e brilhantemente interpretado por Margo Martindale, corresponde, de fato, a um desfecho.

Diretores ilustres batem ponto em Paris, Te Amo, como o mexicano Alfonso Cuarón e o americano Gus Van Sant. Também não faltam os brasileiros Walter Salles e Daniela Thomas, que compartilham a direção do capítulo Longe do 16º Arrondissement (todos eles levam o nome de alguma localidade parisiense) e que, de maneira previsível, optam pela linha "social" na história da moça latina (a colombiana Catalina Sandino Moreno) que deixa o filho na creche e atravessa a cidade, do seu subúrbio até o centro, para cuidar do bebê de uma mulher rica. Com o que se prova que é possível ser infeliz em Paris – embora, presumivelmente, a infelicidade em Paris ainda seja melhor do que em Bogotá.