sábado, junho 02, 2007

Os venenos que se espalham pelo mundo

O veneno que vem da China

Um perigo se esconde entre os produtos baratos importados por todo o mundo: a falsificação de alimentos e remédios


Denise Dweck

The New York Times
Kent Gilbert/AP
Vítima de contaminação na China e, ao lado, pastas de dentes apreendidas na Costa Rica: solventes


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Quadro: Importação sob suspeita
O invejável crescimento econômico da China é sustentado pela espantosa capacidade de produzir de tudo a um custo baixíssimo. O país é igualmente conhecido por sua próspera indústria de falsificações. Inclui de cópias de roupas de marcas famosas a eletrônicos de péssima qualidade que imitam similares de alta tecnologia. Há um ramo mais perigoso na pirataria chinesa, que alarma o mundo: o de alimentos, cosméticos e remédios. Duas semanas atrás, milhares de caixas de pasta de dentes chinesas foram apreendidas no Panamá, na Costa Rica, na Nicarágua e na Austrália. Continham dietilenoglicol, solvente de uso industrial, bastante empregado como anticongelante em radiadores de carro. Quando ingerido, provoca a falência dos rins e afeta o sistema nervoso central, causando paralisia da fala e dificuldade de respiração – muitas vezes, leva à morte. O que essa substância estava fazendo na pasta de dentes? A resposta é assustadora: por ser mais barata, piratas chineses a vendiam como se fosse glicerina, substância amplamente utilizada na indústria de produtos de higiene e medicamentos.

No fim do ano passado, mais de uma centena de pessoas morreram no Panamá depois de tomar xarope contra tosse cuja fórmula continha a glicerina falsa – dietilenoglicol, na verdade – importada da China. A investigação da tragédia revelou o tortuoso percurso que leva um produto falsificado na China até a linha de produção de empresas sérias do outro lado do mundo. A falsificação da glicerina fora efetuada numa fabriqueta de fundo de quintal. Com um certificado de análise química forjado, o solvente foi revendido sucessivamente como se fosse glicerina a quatro companhias, todas elas agindo sem os cuidados necessários. "Abrir uma empresa falsificadora tornou-se muito comum na China porque é uma forma barata e fácil de enriquecer", disse a VEJA o chinês Ping Deng, professor de administração da Universidade Maryville, nos Estados Unidos.

Para os países importadores, é difícil separar os fornecedores chineses sérios dos criminosos por pelo menos dois motivos. O primeiro é o alto índice de terceirização da cadeia produtiva chinesa. O número de empresas que fazem peças ou fornecem insumos para um produto é tão grande que, em certo ponto, se perde o controle sobre sua origem. O segundo motivo é o alto grau de corrupção dos órgãos responsáveis pela fiscalização, cujos funcionários fazem vista grossa às companhias piratas. "Há casos de agentes responsáveis pelos certificados de qualidade que são eles próprios funcionários da empresa pirata", diz Rosana Pinheiro Machado, antropóloga da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, de Porto Alegre, que passou seis meses na China pesquisando o esquema de falsificação de produtos no país.

A lista de importações brasileiras da China inclui quase 5.000 itens. Equipamentos eletrônicos estão no topo, mas o Brasil também importa grande quantidade de insumos para remédios, alimentos e rações. Até hoje, felizmente, não foi constatado no país nenhum produto chinês que causasse dano à saúde de pessoas ou animais. Já nos Estados Unidos e no Canadá, desde março, uma centena de marcas de comida para cães e gatos teve de recolher seus produtos depois que rações feitas com glúten de trigo chinês mataram dezesseis bichos domésticos. Análises descobriram que estavam contaminadas por melamina, uma resina de uso industrial extremamente tóxica quando ingerida. Os falsificadores haviam vendido esse veneno como se fosse proteína vegetal, bem mais cara. "As normas chinesas de qualidade estão sendo melhoradas, mas ainda estão muito abaixo dos padrões internacionais", diz o paulista Eduardo Chakarian, do escritório em Cingapura da Monitor Group, uma empresa de consultoria de negócios americana. "É assim que os chineses conseguem ser competitivos nos custos", diz Chakarian, que trabalhou durante um ano na China.

As dúvidas suscitadas em diversos países sobre a qualidade dos produtos chineses fizeram o governo de Pequim se mexer – e com violência. Na semana passada, um ex-diretor da Agência Estatal de Alimentos e Remédios da China, Zheng Xiaoyu, foi condenado à morte por ter aceito um suborno de 850.000 dólares para aprovar medicamentos. Uma vigilância mais eficiente não seria benéfica apenas para as exportações, mas também para a própria população chinesa. Essa é a principal vítima dos produtos falsificados no país. Um exemplo famoso dos efeitos devastadores da pirataria em alimentos: treze bebês morreram de inanição numa província chinesa, em 2004. As investigações revelaram que haviam sido alimentados com leite em pó falsificado, um pó sem nenhum nutriente.