sábado, junho 23, 2007

O primo (também) entregou dinheiro


Bruno Mendes, parente de Cláudio Gontijo, entregou
sacolas com 100 000 reais à jornalista Mônica Veloso


Policarpo Junior

Fotos Lula Marques/Folha Imagem, Cristiano Mariz e Ana Araújo
O escritório dos advogados de Renan (à dir), onde os 100 000 foram pagos, o lobista Cláudio Gontijo e as obras do Porto de Maceió: pagamentos numa ponta, emendas na outra

Amigo, confidente, fiador, tesoureiro, consultor. O lobista Cláudio Gontijo, da empreiteira Mendes Júnior, era um pouco de tudo para o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros. Ele pagava despesas do senador, emprestava sua casa para encontros reservados, prestava socorro ao mínimo sinal de dificuldades financeiras. Também visitava a casa de Renan, conversava sobre obras de seu interesse, participava de reuniões oficiais, indicava pessoas para ocupar cargos no governo e pedia emendas para beneficiar sua empreiteira. A relação rendia dividendos a ambos: as despesas mais secretas do senador eram pagas pelo lobista, e o lobista obtinha sucesso em seus negócios com a ajuda do senador.

Na semana passada, em depoimento no Conselho de Ética do Senado, o próprio Cláudio Gontijo narrou em detalhes suas relações com Renan Calheiros. Interrogado pelo senador Demostenes Torres (DEM-GO), o único membro do Conselho que parece interessado em aprofundar as investigações, o lobista desnudou, mesmo sem querer, toda a promiscuidade de suas relações com o senador. E isso em um questionamento que não passou de dez minutos.

Gontijo confirmou que pagou à jornalista Mônica Veloso em dinheiro vivo, na sede da empreiteira Mendes Júnior, a pedido do senador. Paralelamente, disse que conversou com Renan sobre o Porto de Maceió, cujas obras são tocadas pela Mendes Júnior. No depoimento de Gontijo apareceu ainda uma novidade: a última bolada de dinheiro vivo que Renan entregou a Mônica Veloso, de 100 000 reais, foi levada à jornalista por um parente do lobista. No interrogatório, travou-se o seguinte diálogo entre o senador Demostenes Torres e o lobista Cláudio Gontijo:

O senador – O senhor conhece o advogado Bruno Mendes?

O lobista – Conheço.

O senador – De onde?

O lobista – Ele é... por uma feliz coincidência, nós temos um laço de parentesco, em que a avó dele é minha madrinha de batismo e o avô dele é meu padrinho de batismo e irmão de meu pai.

O senador – O que ele faz?

O lobista – É advogado.

O senador – Alguma vez ele entregou ou foi portador de algum recurso?

O lobista – Não tenho nenhum conhecimento disso.

O advogado Bruno Mendes, 55 anos, era um personagem desconhecido do calvário de Renan Calheiros. Primo em segundo grau de Cláudio Gontijo, ele mora em Maceió, mas, assim como o primo lobista, presta serviços de entrega de dinheiro para o senador em Brasília. Em maio e junho de 2006, Renan Calheiros pagou 100 000 reais à jornalista Mônica Veloso. Segundo o senador, o dinheiro era para formar um fundo de educação para sua filha. A jornalista afirmou que se tratava de um complemento de pensão alimentícia. Os 100 000 reais foram pagos em duas parcelas. Os advogados de Renan produziram recibos como se a despesa fosse para o tal fundo de educação. Na hora de pagar, o dinheiro apareceu em sacolas. VEJA apurou que o portador das sacolas era o advogado Bruno Mendes, primo do lobista Gontijo.

O pagamento das duas parcelas de 50 000 reais aconteceu no escritório do advogado do senador, Eduardo Ferrão, no Lago Sul, uma área nobre de Brasília. Na época, ficou combinado que assim que o dinheiro estivesse disponível o advogado da jornalista, Pedro Calmon Filho, receberia um telefonema para ir buscá-lo. Por duas vezes, no fim de maio e no fim de junho, Calmon foi ao escritório de Ferrão. Nas duas ocasiões, foi recebido por Bruno Mendes, que lhe entregou uma sacola preta de náilon. A sacola foi colocada em cima de uma mesa de madeira na biblioteca do escritório. "Ficamos uns bons minutos juntos contando o dinheiro", rememora Calmon. Havia dentro da sacola, segundo ele, notas de 100, 50, 20 e até 10 reais. "O Bruno Mendes me foi apresentado como mais um advogado de Renan", lembra Calmon. Procurado, Eduardo Ferrão explicou que Bruno Mendes não atua no caso, mas, como é amigo e assessor de Renan, acompanhou alguns desdobramentos da história. "É até possível que ele estivesse aqui no dia dos pagamentos", admite Ferrão. "Mas o dinheiro, posso assegurar, veio da casa do senador." O pagamento dos 100.000 reais não consta nas declarações de imposto de renda do senador. Nada disso prova que a Mendes Júnior tenha, outra vez, algo a ver com esse pagamento de despesas do senador. Como diria Gontijo, talvez seja tudo apenas "feliz coincidência".

Celso Junior/AE
O advogado Pedro Calmon Filho: notas de 100, 50, 20 e até de 10 reais

Outra coincidência, também revelada no depoimento de Gontijo, mostra que o senador se interessou pela obra do Porto de Maceió, que está na conta da Mendes Júnior. O senador Demostenes Torres perguntou ao lobista e ele confirmou que falou sobre as obras do Porto com o senador e que este chegou a visitá-las. Em 2004 e 2005, nos mesmos anos em que Gontijo assumia os gastos com a jornalista Mônica Veloso, Renan apresentou três emendas orçamentárias para as obras do Porto, em um total de 13,2 milhões de reais. O senador disse que fez as emendas para ajudar Alagoas. Pode ser. O depoimento de Gontijo mostra que, além de ajudar Alagoas, Renan também atendeu a um pedido do amigo lobista. Em nota divulgada logo depois do escândalo, a Mendes Júnior, que pertence ao empresário Murilo Mendes, disse que jamais pediu a Renan emenda para suas obras. Em seu depoimento, o lobista ressaltou que pediu ajuda para Renan e, também, para toda a bancada de Alagoas.

As respostas de Gontijo mostraram que, em mais de uma ocasião, as atividades políticas do senador cruzaram com os interesses do lobista da Mendes Júnior. Em seu depoimento, Gontijo admitiu que conhece Aloisio Vasconcelos, que presidiu a Eletrobrás até janeiro passado. "Ele é uma pessoa que eu considero, um dos maiores conhecedores do setor elétrico", disse Gontijo. "Nós manifestamos várias vezes, inclusive por escrito, o nosso interesse em participar de todos os projetos de energia que estão para ser executados." Em 2005, Gontijo chegou a participar como convidado especial de uma reunião entre deputados e senadores do PMDB em que se discutia a indicação do presidente da Eletrobrás. O encontro aconteceu na residência oficial do presidente do Senado. Na reunião, depois de analisar vários nomes, decidiu-se que Aloisio Vasconcelos tinha o melhor perfil para ocupar o cargo. Quem sugeriu o nome? O lobista Cláudio Gontijo.

No depoimento, Gontijo também confirmou que comprou o flat que Renan tinha no hotel Blue Tree, em Brasília. Disse que o senador não estava satisfeito com o imóvel, pois o aluguel não cobria as prestações do financiamento. Gentilmente, o lobista assumiu o imóvel. No mesmo Blue Tree, Gontijo é dono de um flat, onde mora, que emprestava ao senador para encontros reservados. É curioso que o local não fosse usado para os pagamentos à jornalista. Sobre o assunto, o senador Demostenes Torres – sempre ele – teve o seguinte diálogo com Gontijo:

O senador – Como o senhor recebia o dinheiro do senador Renan Calheiros? No gabinete, sacava no banco, alguém lhe entregava...

O lobista – Sempre na casa dele e das mãos dele. Como eu afirmei aqui no início, ele sempre disse: não terá uma terceira pessoa para tratar desse assunto. Às vezes ele me entregava de uma vez tudo, às vezes me entregava só uma parte.

O senador – E onde o senhor guardava esses recursos?

O lobista – Na minha casa.

O senador – Não era mais fácil e mais discreto entregar o dinheiro no hotel, já que o senhor se encontrava com a Mônica freqüentemente ali?

O lobista – Normalmente a gente saía para almoçar. Ela passava no carro dela, eu descia, entrava no carro dela e a gente saía para almoçar.

O senador Almeida Lima, membro da tropa de choque de defesa de Renan, fez um balanço do depoimento de Gontijo: "Mostra que não houve relação incestuosa alguma". Será que o senador viu o mesmo depoimento?