A marcha que promoveu conclamando “Fora, Renan” faz parte dessa postura diferenciada do partido. Sua presidente nacional, a ex-senadora Heloisa Helena, ficou conhecida pela maneira agressiva com que expressava sua indignação diante dos desmandos na política nacional, e em especial mostrou-se uma crítica ácida do governo Lula.
Na quinta-feira, quando protocolou a ação contra Joaquim Roriz, Heloisa Helena voltou aos velhos tempos, soltando uma frase de efeito bombástico: “Quero destruir os bezerros de ouro da política nacional”, numa alegoria bíblica muito ao gosto do partido, cujos integrantes estão muito próximos da história das comunidades eclesiais de base, que deram origem ao PT.
Heloisa Helena esteve a ponto de se transformar no fato novo da eleição presidencial, mas acabou em terceiro lugar, longe do segundo turno: obteve 6.575.393 votos nas eleições para presidente da República no ano passado, ou 6,85% do total válido, ficando atrás da soma dos brancos e nulos (que totalizaram 8,823,412 votos, ou 8,41% dos votos).
Para o PSOL, moralidade pública, ética na política e transparência “deveriam ser posturas básicas, elementares, precondição para a disputa de projetos. No Brasil de hoje, virou rara virtude”, analisa o deputado federal e historiador Chico Alencar, líder do partido na Câmara.
Seus próprios integrantes brincam com a sigla, a qual chamam de “pequeno notável”, ou “fraco abusado”.
Mas falam também em “PSOL nascente”, num trocadilho que exprime o orgulho de fazer parte de um partido que tem tanta fé na sua mensagem que defendeu a adoção da lista fechada nas votações proporcionais, certo de que a legenda pode representar uma parte do eleitorado que estaria cansada dos partidos tradicionais, aí incluído o próprio PT.
Eles sabem que surgiram, como define o Alencar, “em época e circunstâncias bem diferentes das do finado PT.
Ali, no alvorecer dos anos 80, havia uma energia democratizante que se expressava em sindicatos autênticos, distintos do peleguismo de Joaquinzão, movimentos de moradores, contra a carestia, luta organizada por terra e teto, comunidades eclesiais de base, afirmação de expressões étnicas e de gênero, uma ruidosa reconquista de espaços públicos”.
Ele lamenta que o PT, que tem “esse berço virtuoso e se constituiu para renovar as práticas políticas, sentindo que o ‘ônibus MDB’ já não ia na direção da ampla avenida do protagonismo popular”, tenha sido “domesticado pelo poder”. Ao negar sua trajetória, diz Alencar, o PT “perde o horizonte utópico e troca idéias e causas por um pragmatismo que faz Maluf, Jader, Renan e que tais, antigos inimigos viscerais, transitarem à vontade no Planalto”.
O PSOL se considera o “abrigo da esquerda que não se nega”. Ao contrário, diz Alencar, “temos certeza de que é fundamental a existência do ainda pequenino PSOL na sociedade brasileira”. Mas os do PSOL, embora não queiram ser “cavaleiros andantes solitários da ética elementar”, não temem o isolamento parlamentar, “quando nem outros partidos com viés supostamente progressista, como o PV e o PPS, assumem por inteiro essas batalhas contra o corporativismo que amesquinha a representação”.
Ele critica o PSB e o PDT, componentes do chamado “Bloco de Esquerda”, que “se desvencilharam do poderoso PT, mas não das amarras do poder, do qual usufruem no governo de coalizão, e ficam inibidos para questionar procedimentos espúrios de aliados”.
O PSOL enfrenta “enormes debilidades organizativas”, com 20 mil filiados em todo o Brasil. No primeiro congresso, realizado recentemente, compareceram 740 delegados “combinando impressionante energia juvenil e a persistência de velhos dirigentes populares”, na descrição otimista de Chico Alencar. Para se ter uma idéia da desproporção de forças no momento, o PT tem cerca de 800 mil filiados com direito a voto.
A estratégia do PSOL é “o equilíbrio entre a inserção social, nas lutas populares, e a presença institucional, nas instâncias formais da nossa limitada democracia.
Um pé na praça, outro no palácio, para questionar suas liturgias corrompidas, para criar ferramentas que possibilitem às maiorias sociais se expressarem como maiorias políticas”.
Chico Alencar garante que o PSOL quer ser “alternativa real de governo — quiçá de poder — algum dia, mas a longa marcha começa com os primeiros passos: vamos com tudo, com campanhas radicalmente diferentes das que já enjoam o eleitorado, em alguns municípios ano que vem, ali onde temos militância, vida real e quadros qualificados para disputar prefeituras e cadeiras na edilidade”.
Repetindo a estratégia do PT, o PSOL pode até mesmo se transformar com o tempo em uma alternativa política ascendente. Mas o PT, embora ainda não tenha tido a coragem de retirar de seu programa a defesa do socialismo, como fez, por exemplo, o Partido Trabalhista inglês há dez anos, já não se bate pela sua implantação.
E só chegou ao poder quando se uniu aos conservadores, coisa que no momento é inimaginável para o PSOL.
Os dois processos instaurados no Conselho de Ética do Senado, contra o presidente Renan Calheiros e o senador Joaquim Roriz, têm uma origem única: representações do PSOL, nascido da dissidência petista, expulsa do partido em 2003 depois de tentar fazer com que o governo Lula seguisse o programa partidário, em grande parte revogado na prática do poder.
O Partido Socialismo e Liberdade tem apenas três deputados (Chico Alencar, do Rio; Luciana Genro, do Rio Grande do Sul; e Ivan Valente, de São Paulo), e um senador sem votos (José Nery, do Pará, que assumiu o lugar da senadora Ana Júlia Carepa, do PT, eleita governadora). Mas faz um barulho danado, repetindo a tática do PT original, querendo marcar sempre sua posição. Como se dissesse: “Eu sou você ontem”.