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D e duas, uma: ou o presidente Lula não entendeu a proposta de reajuste salarial do funcionalismo incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ou ele mudou a proposta. Em qualquer caso, é grave. No mínimo, revela uma confusão danada dentro do governo, em torno de um assunto que não é trivial. Na entrevista concedida ao jornal Valor Econômico (21/6), o presidente Lula referiu-se assim à regra de reajuste definida no PAC: 'Procurem se, em algum momento da história do Brasil, alguém assumiu o compromisso de repor a inflação e dar 1,5% de aumento de salário aos funcionários.' Essa formulação, e o contexto em que foi colocada, não deixa dúvida. Está dito que cada funcionário receberá, todo ano, a inflação mais 1,5% de aumento real. É uma regra muito boa para os funcionários. Garante ganho real permanente, independentemente, por exemplo, do nível de arrecadação de impostos. Por isso mesmo é uma regra muito perigosa do ponto de vista macroeconômico. Fixa uma indexação salarial exclusiva para o funcionalismo federal, um privilégio que certamente será reivindicado pelos demais trabalhadores. Cria-se, assim, o risco de uma indexação salarial geral, caminho certo para a aceleração da inflação. Além disso, a regra estabelece um aumento real de gastos obrigatório para todos os anos, mesmo que o governo federal não contrate nenhum funcionário novo. Mas o que está dito nos documentos do PAC é exatamente o inverso. É uma regra para conter o gasto, não para ampliá-lo indefinidamente. Está lá, no texto apresentado pelo Ministério da Fazenda, no item Medidas Fiscais de Longo Prazo: 'As medidas fiscais do PAC visam à contenção do crescimento do gasto com pessoal do governo federal, com a criação de um teto de 1,5% para o crescimento real anual da folha de pagamento da União.' Está dito, conforme já explicou detalhadamente o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que o total da folha de pagamentos poderá ser corrigido pela inflação e que o aumento real será de, no máximo, 1,5%. Digamos que a folha deste ano seja de exatos R$ 100 bilhões e que a inflação chegue, em dezembro, a 3,5%. Com isso, em 2008 o governo federal poderá gastar com a folha, no máximo, R$ 105 bilhões e uns quebrados. Assim: R$ 100 + 3,5% (ou R$ 3,5 bilhões) + 1,5% (ou R$ 1,55 bilhão). Reparem que a regra do PAC fala em teto, não obrigatório - isto é, o governo poderá ou não conceder esse reajuste. Além disso, se o governo, por exemplo, fizer contratações que representem gastos novos de R$ 500 milhões no ano, o volume de recursos para aumento real, no exemplo acima, cai para R$ 1 bilhão. Ou ainda, sempre no exemplo acima, se o governo, em 2008, entender que determinadas categorias merecem reajustes superiores a 5%, isso significa que outras categorias necessariamente receberão menos ou mesmo não receberão nenhum reajuste. Em resumo: a regra enunciada pelo presidente Lula na entrevista ao Valor é uma indexação salarial obrigatória, 'um compromisso de repor a inflação e dar 1,5% de aumento de salário aos funcionários'. Trata-se, pois, de uma medida que aumenta o gasto público. A regra enunciada no PAC é de contenção do gasto, de aplicação voluntária e pode resultar em reajuste zero. Do ponto de vista macroeconômico, é uma regra necessária, pois o gasto salarial tem crescido de forma explosiva nos últimos quatro anos. No ano passado, por exemplo, para uma inflação de 3,1%, o gasto com a folha aumentou quase 14%. Neste ano, para uma inflação que ronda a 3,5% anuais, a folha, até abril, subiu quase 12% - sempre muito acima do teto de 1,5% definido no PAC.
E aí, cara leitora, caro leitor, Lula não entendeu a regra ou resolveu mudá-la? Ou será que todos entendemos mal? Apagão aéreo - O 'relaxe e goze' da ministra Marta Suplicy continuou imbatível entre os comentários oficiais a respeito da crise aérea. Mas seus colegas se têm esforçado para alcançar o mesmo nível. Guido Mantega chegou perto. Por ele, não temos crise aérea, mas um saboroso fruto do sucesso. Talvez seja uma bobagem maior, porque parece travestida de análise econômica. É óbvio que a atividade econômica aumenta o movimento nos aeroportos, ainda mais quando se sabe que a maior parte das viagens se dá a trabalho. Mas dizer que os aeroportos estão cheios porque o País cresce é como dizer que os aviões não podem descer porque choveu e a pista está molhada. É verdade, mas não explica nada. Assim como uma pista molhada pode ou não receber aviões, o crescimento pode ou não gerar o caos aéreo (e rodoviário, e portuário, etc.). Se a pista for longa o suficiente e com caídas acertadas, se houver ranhuras corretas e se o sistema de aproximação das aeronaves for eficiente, a chuva e a pista molhada não impedem pousos e decolagens. Do mesmo modo, se o governo, que controla todos os aeroportos e todo o sistema, tivesse um mínimo de planejamento, teria tomado as providências para atender à demanda crescente. O caos aéreo é fruto do atraso, por isso fica difícil aceitar o educado pedido que o presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, fez aos passageiros: procurem não perder a paciência. Não bastassem as frases de Marta e Mantega, vem o ministro Waldir Pires e diz que o problema não será resolvido em menos de um ano. Como já se passou um desde a eclosão da crise, serão dois anos. E para o quê? Para contratar e treinar cerca de 600 operadores de vôo - a providência considerada prioritária por Pires. Resumo da ópera-bufa: dizem que não há crise, que há um sucesso para relaxar e gozar e que há um pequeno problema de pessoal a ser resolvido em dois anos. Perderam o juízo. |