domingo, junho 17, 2007

AUGUSTO NUNES SETE DIAS

A conselheira dos flagelados

A garota dos tempos do Colégio Sion ficaria ruborizada se topasse com um palavrão rabiscado na porta do banheiro. Marta Tereza Smith de Vasconcellos aprendera ainda no berço que não há espaço para vulgaridades no vocabulário das moças de boa família, sobretudo se filhas da velha aristocracia paulista.

A socióloga especialista em assuntos sexuais, liberada de algemas conservadoras pela maioridade e pelo casamento, aprendeu a expor teses atrevidas, às vezes chocantes, sem jamais recorrer a dialetos de bordel. Quando Marta Tereza Smith de Vasconcellos Matarazzo Suplicy aparecia na tela da TV, os pais sabiam que a conversa ficaria apimentada. Mas não tiravam as crianças da sala. A bonita balzaqueana sabia que nem tudo pode ser dito com todas as letras.

Nesta semana, o país constatou que, das marcas de origem, restaram o jeito mandão, a impaciência da menina mimada, a voz besuntada de arrogância e o gestual aperfeiçoado em cursos de etiqueta. A ministra Marta Suplicy já não consegue distinguir o cutucão desbocado da frase grosseira.

No meio da tarde de quarta-feira, terminada a festa de lançamento do Plano Nacional de Turismo, um grupo de jornalistas perguntou à ministra, no saguão do Planalto, se tinha algo a dizer sobre o apagão aéreo. Tinha, por exemplo, algum conselho a endereçar aos flagelados dos aeroportos?

O recado aos passageiros estava na ponta da língua. Com a desenvoltura de um gigolô argentino, Marta resumiu em três palavras a recomendação obscena: "Relaxem e gozem". Achou dispensável a ressalva que antecede o conselho: "Quando o estupro é inevitável...". Todos a conhecem.

Divertida com os vincos de espanto nos rostos de jornalistas, a ministra incorporou a sexóloga. "É como a dor do parto", comparou. "A gente sofre, mas depois esquece os transtornos". O sorriso de Dia dos Namorados avisava que Marta, relaxada, já prelibava os prazeres da noitada.

Viajaria para São Paulo a bordo de um jatinho da FabTur. Como não existe apagão no céu dos ministros, chegaria a tempo de maquiar-se sem pressa para o jantar com o maridão. Foi surpreendida pela barulheira dos brasileiros indignados. A tribo dos que não capitulam nunca foi numerosa. É diminuta em países reduzidos a viveiros de abúlicos. Mas sempre estridente.

O som da fúria induziu-a a divulgar uma nota em que pede desculpas pela "frase infeliz". Infeliz, mas sincera: a ministra pelo menos admite a existência de uma crise que, apesar das dimensões monstruosas, Lula finge não enxergar. Infeliz, mas reveladora. Marta deixou claro que o apagão chegou para durar - o estupro é inevitável, e pode tornar-se rotineiro. Que o governo não tem soluções para a crise. Nem se comove com o calvário imposto aos viajantes.

Restam aos estuprados duas opções. Uma é recuperar a vergonha perdida em algum lugar do passado, reaprender a manifestar-se nas ruas e enfrentar os estupradores. A outra é seguir o conselho de Marta e render-se aos agressores.

17 / 06 / 2007