sábado, maio 19, 2007

As traduções dos clássicos gregos e latinos

O deserto dos clássicos

Novas traduções têm surgido, mas ainda faltam
obras gregas e latinas fundamentais nas livrarias


Jerônimo Teixeira

Hulton Archive/Getty Images
Vaso grego do século V a.C., com figura de um cantor: a poesia lírica é a prima pobre das traduções



VEJA TAMBÉM
Nesta reportagem
Quadro: Clássicos básicos

O escritor argentino Jorge Luis Borges certa vez observou que, para os leitores não versados em grego (como ele próprio), Homero não é apenas o autor da Ilíada e da Odisséia – é uma biblioteca inteira, uma coleção imensa e sempre renovada de traduções. Para o leitor brasileiro, no entanto, a tal biblioteca está longe de ser grande. Uma nova tradução da Odisséia está sendo lançada em três partes, com assinatura de Donaldo Schüler, professor aposentado de língua e literatura grega da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O primeiro volume, Telemaquia (L± 160 páginas; 9,50 reais), já está nas livrarias, e os próximos dois devem sair até o mês que vem. Eles vêm se juntar a apenas duas traduções de monta no Brasil: a de Odorico Mendes, do século XIX (que o leitor só encontra em sebos, pois está fora de catálogo), e a de Carlos Alberto Nunes. Mas não é somente em relação aos poemas homéricos que a oferta de clássicos greco-latinos é limitada. Novas versões têm aparecido, mas as lacunas ainda são gritantes (mesmo contando eventualmente com edições portuguesas, mais caras e difíceis de encontrar).

Em francês e inglês, a oferta cobre praticamente todos os autores fundamentais. Na livraria da internet Amazon, por exemplo, encontra-se pelo menos meia dúzia de traduções em inglês de Píndaro, completo ausente das livrarias brasileiras (muitas das quais, aliás, nem sequer dedicam uma prateleira específica à literatura grega ou latina). Há também boas antologias panorâmicas, como a The Norton Book of Classical Literature, editada pelo helenista de Harvard Bernard Knox, que cobre de Homero a Santo Agostinho. Mais importante, existe, na língua inglesa, uma tradição bem estabelecida de renovar freqüentemente as traduções. Homero tem pelo menos duas versões clássicas no inglês, dos poetas George Chapman (século XVII) e Alexander Pope (século XVIII) – mas os tradutores continuaram se debruçando sobre os versos de Homero, produzindo virtualmente um texto novo a cada geração (as recentes traduções de Robert Fagles foram muito bem recebidas pelos especialistas). As traduções novas cumprem uma função fundamental: aproximar os clássicos das concepções literárias de cada época. "Cada tradução responde a um protocolo de poesia de seu próprio tempo", diz João Angelo Oliva Neto, professor de latim da USP – que no ano passado lançou Falo no Jardim (Ateliê), uma curiosa coletânea de poemas gregos e latinos dedicados a Priapo, o deus fálico que protegia a fecundidade.

A variedade de traduções responde ainda às demandas de diferentes tipos de leitor – do adolescente que começa a se interessar por livros ao especialista acadêmico. Com Homero, pelo menos, os brasileiros têm um cardápio de opções relativamente variado. A tradução da Ilíada pelo poeta Haroldo de Campos, expoente do concretismo, busca reinventar em português os ricos jogos sonoros do original. Em um verso mais longo e narrativo, a versão de Carlos Alberto Nunes, de meados do século passado, é mais acessível para o neófito que está se familiarizando com os heróis Agamenon, Aquiles e Heitor. Em versos livres, a nova Odisséia de Donaldo Schüler ficou em um indeciso meio caminho entre a narrativa e a poesia. "Eu me pergunto por que ela não foi apresentada em prosa, já que não tem qualidade poética e é muito imprecisa em relação ao original", avalia Christian Werner, professor de grego da USP e tradutor de Hécuba e Troianas (Martins Fontes), tragédias de Eurípides.

"Estamos longe do mercado de língua inglesa. Mas tem havido, nos últimos anos, maior empenho dos especialistas em oferecer ao público geral traduções de qualidade", diz Trajano Vieira, professor de grego da Unicamp e tradutor da tragédia Édipo Rei, de Sófocles. Novas traduções têm surgido sobretudo por obra de professores universitários. Ainda é pouco. Grande parte da literatura clássica se perdeu no tempo. Safo, uma das mais originais vozes líricas da Grécia, é conhecida quase que apenas por fragmentos e excertos, e, das mais de 100 peças escritas por Sófocles, só sete sobreviveram na íntegra. Por enquanto, o leitor brasileiro conhece só cacos dessas sobras.