segunda-feira, abril 23, 2007

Um samba para a Justiça

FERNANDO DE BARROS E SILVA

SÃO PAULO - "O chefe da polícia/ Pelo telefone/ Mandou me avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/ Para se jogar". É muito famoso esse refrão de "Pelo Telefone", composição de Donga que passou à história como marco inaugural do samba no país. Criado no final de 1916, estourou no Carnaval carioca de 1917.
O conluio da polícia corrompida com a jogatina foi retratado em tom de galhofa pela cultura popular. A tolerância com a contravenção é um traço da formação do país.
Lá se foram 90 anos. Em 1920, o Brasil tinha por volta de 30 milhões de habitantes. Menos de 20% da população vivia em áreas urbanas. Éramos pouco mais que um fazendão, embora o Rio -a capital- já tivesse à época 1,1 milhão de moradores -hoje são mais de 6,1 milhões.
Mudamos muito. Os chefões da contravenção seguem associados ao Carnaval, mas, como este, perderam a aura romântica e se profissionalizaram. Quando não foram preteridos, tornaram-se sócios, menores ou maiores, do tráfico. O efeito devastador do comércio ilegal de drogas num quadro de miséria e favelização já é nosso conhecido.
Mais novo, pelo menos para a opinião pública, é o samba do Judiciário, que a PF começa a pôr na avenida. Se Donga voltasse ao mundo, seu refrão seria assim: "O chefe da Justiça/ Pelo telefone/ Mandou me avisar/ Que no Tribunal/ Tem uma sentença/ Para se comprar"...
Pois é. As investigações sugerem a participação de grandes empresas na compra de sentenças. Também apontam que um ministro do STJ, a segunda corte do país, seria parte de uma quadrilha togada. Vejamos onde isso vai dar. Podemos estar diante de um divisor de águas.
Sim, é bom ter cuidado com generalizações e desconfiar de eventuais açodamentos da PF. Não se trata de caluniar a Justiça abstratamente.
Faça-se a ressalva que se quiser, restará ao cabo a evidência de que, enfim, começa a se conhecer o fundo falso do Poder Judiciário. Os alçapões foram abertos: que a Justiça enfrente seu inferno -ou se ajeite na corrupção e no corporativismo.