sábado, março 31, 2007

VEJA Entrevista: Constantino Junior


O novo rei dos ares

O dono da Gol, e agora da Varig, detalha seus
planos, que incluem operar linhas internacionais
de baixo custo, sem primeira classe


Lucila Soares

Cacalos Garrosstazu/Valor/Folha Imagem

"Não vamos lançar a barra de cereal de 1 quilo. Mas nem por isso vamos oferecer caviar e vinhos"

Constantino Junior é apaixonado por aviões. Gosta de voar, é fascinado por engenharia e pela complexa operação de uma companhia aérea. Aprendeu a pilotar aos 15 anos, e seus olhos brilham quando se lembra de seu primeiro vôo sem instrutor. " Eu me senti um passarinho", diz. Na semana passada, os olhos de Junior tinham outro bom motivo para brilhar. Apenas seis anos depois de ter recebido do pai a incumbência de criar uma companhia aérea, o empresário, de 38 anos, fechou a compra da Varig por 320 milhões de dólares e se prepara para desbancar a TAM, ainda neste ano, da liderança do setor. É um dos mais espetaculares casos de sucesso do capitalismo brasileiro dos últimos anos. A operação tem importância estratégica. Permite à Gol assumir todos os horários de pousos e decolagens da Varig em todo o país, e ainda lhe dá acesso às licenças para aterrissar nos principais aeroportos da Europa. O plano é fazer da Varig uma empresa que ofereça vôos internacionais de baixo custo. Na noite de quinta-feira, no Rio de Janeiro, Constantino Junior deu a seguinte entrevista a VEJA.

Veja – A Varig foi vendida, há oito meses, por 25 milhões de dólares. De acordo com as informações divulgadas, o investimento do fundo Matlin Patterson foi de 75 milhões de dólares. Por que o senhor pagou um preço 220% acima desse valor?
Constantino Junior – O antigo controlador aportou muito mais recursos do que esses 100 milhões de dólares, até para permitir que a empresa se mantivesse em operação. Mas, independentemente disso, a questão é quanto esse negócio pode agregar valor à Gol. E, nesse sentido, estou bastante confiante em que a operação adiciona mais valor à Gol do que o que nós estamos pagando por ela. Inclusive porque utilizamos como recursos capital próprio e ações da Gol.

Veja – Que papel essa compra desempenha na estratégia da Gol?
Constantino Junior – A Gol Transportes Aéreos continua com sua missão de popularizar o transporte aéreo na América do Sul, aproximando fronteiras e cobrando tarifas de baixo custo em todos os mercados que comportem aviões como os nossos na região. A Varig passa a cumprir um papel importante de oferecer no mercado doméstico um serviço diferenciado, com vôos diretos entre os principais centros, preservando o programa de fidelidade Smiles como um diferencial. Na América do Sul, deverá operar as rotas de Buenos Aires e Santiago, além de manter Bogotá e Caracas. E vai reiniciar as operações internacionais com dois tipos de serviço: classe executiva e classe econômica. Vamos eliminar a primeira classe, porque entendemos que o mercado mudou. Hoje se busca muito mais praticidade e conforto a preço acessível do que luxo a preços exorbitantes.

Veja – A primeira classe vem sumindo no mundo inteiro, e a executiva tem se popularizado e perdido parte de seu conforto (poltronas mais próximas, menos serviços). Será que voar se tornou definitivamente um sacrifício, até para quem tem dinheiro?
Constantino Junior – De forma alguma. Estamos falando em prover transporte aéreo com conforto e praticidade, permitindo que o passageiro economize na passagem e gaste esse dinheiro no champanhe que ele preferir no destino, aproveitando muito melhor cada centavo. Ele poderá inclusive beber champanhe gelado, o que normalmente não acontece nos aviões. E não está nos planos reduzir o tamanho das poltronas ou aumentar a quantidade delas na classe executiva. Além do mais, a Gol não está ditando uma regra. Apenas oferece uma alternativa que acredita ser a que melhor atende à maioria do mercado. Se alguém quiser oferecer luxo, que ofereça.

Veja – Como aplicar o conceito de baixo custo na longa distância? Que consumidor agüenta vôos desconfortáveis, mesmo que baratos, por mais de dez horas?
Constantino Junior – A distribuição de poltronas num vôo de baixo custo de longa distância é igual à das companhias tradicionais. O modelo se apóia em outros pilares, como frotas padronizadas, uso intensivo de tecnologia no gerenciamento da companhia e em práticas voltadas para o cliente, como check-in pela internet. Também podemos oferecer um serviço de bordo compatível com um vôo internacional. Não vamos lançar a barra de cereal de 1 quilo, mas nem por isso trabalharemos com variedades de caviar, de vinhos, com esse requinte excessivo.

Veja – O senhor pretende que a Gol seja a primeira companhia de baixo custo a voar longa distância no mundo. Empresas como a irlandesa Ryanair tentam e não conseguiram ainda. Por que elas não conseguem? E por que a Gol conseguiria?
Constantino Junior – É apenas questão de tempo. Essa é uma tendência mundial. Esse movimento da Gol recoloca a aviação brasileira numa posição de vanguarda no mundo. A Ryanair caminha para isso com a aquisição da também irlandesa Aer Lingus, mesmo operando no mercado europeu, que é enorme e ainda tem grande potencial de crescimento. A AirAsia está criando sua companhia de baixo custo e longo curso para operar vôos internacionais. A Virgin Blue, australiana, também.

Veja – A rentabilidade da Gol só perde para a da Ryanair. Mas a empresa pratica tarifas muito próximas às das concorrentes tradicionais. Por quê?
Constantino Junior – O preço por quilômetro no mercado doméstico saiu de praticamente 55 centavos, em valores de hoje, em 1996, para menos de 30 centavos em 2006, enquanto a demanda reagiu, principalmente a partir de 2002. Saímos de 22 milhões de passageiros/ano em 1996 para 40 milhões no ano passado. Os preços nunca foram tão baixos. Mas há uma convergência do mercado para esse modelo de negócios. No início das operações da Gol, os custos de operação da companhia chegavam a ser 60% menores que os de outras companhias. Nós passamos a ser a referência, outras empresas mudaram a gestão, buscando ganhos de eficiência. E isso provocou uma redução geral nas tarifas. Por isso a diferença. Não porque a Gol esteja cobrando mais caro do que antes, mas porque o mercado opera atualmente com tarifas médias mais baixas.

Veja – O senhor afirma que Gol e Varig serão empresas diferentes e que, portanto, a concorrência não será afetada. Como pretende pôr em prática uma "concorrência" entre empresas do mesmo dono? Existe algum exemplo disso na aviação mundial?
Constantino Junior – Não me ocorre nenhum. Talvez nós sejamos mesmo os primeiros. Mas eu tenho muito claro que o desafio das duas empresas é atender ao anseio de diferentes clientes. Existem os dois mercados. Aquele de quem prioriza o serviço, o sistema de reserva, o programa de milhagem, e aquele que prioriza o preço. Existem os dois perfis e nós queremos ambos. O papel dessa competição é dimensionar o tamanho de cada um. A Gol tem um plano estratégico, a Varig terá o seu. Se nós percebermos que o mercado valoriza mais o serviço que a Varig oferece, ela crescerá mais. Se a Gol conseguir mostrar que tem a preferência do passageiro, será ela a ter seu crescimento acelerado. Vamos deixar que o mercado decida.

Veja – Em que prazo devem acontecer as ações anunciadas? Quando todos os slots (autorizações de vôos) da Varig estarão ocupados? Em quanto tempo a Varig poderá voltar a fazer rotas internacionais?
Constantino Junior – Temos de aguardar a aprovação da Agência Nacional de Aviação Civil, e também a sinalização do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, para então partir para algumas definições. A idéia é iniciar as operações dos vôos internacionais para a Europa num prazo entre quatro meses e um ano. Em mais quatro meses, deveremos começar a voar para Nova York e Miami. No mercado doméstico, os prazos são mais curtos. Já estávamos em contato com fabricantes para renovar e ampliar a frota da Varig de forma a ocupar todos os slots.

Veja – O senhor anunciou que o Smiles será reforçado. Como será isso? Está nos planos voltar a integrar a Star Alliance?
Constantino Junior – Nós não definimos ainda o perfil da aliança que a Varig fará no âmbito do programa de fidelidade. O que está garantido é que o Smiles será mantido da forma como foi concebido. O programa conta ainda com 5 milhões de membros, dos quais 3 milhões ativos. É um número expressivo, que demonstra a força da Varig e do Smiles mesmo depois de tanto desgaste ao longo dos últimos anos.

Veja – O senhor comanda uma empresa que é o maior case brasileiro de sucesso empresarial dos últimos anos. O que determinou esse sucesso?
Constantino Junior – É sempre uma conjunção de fatores. Mas o mais importante é que a Gol foi criada para romper paradigmas, e isso significa que de tempos em tempos ela tem de se renovar. Nós aparecemos no momento certo, em que existia espaço no mercado, que nos deu oportunidade de quebrar paradigmas, de trazer um novo modelo de negócios para o Brasil. Rompemos com alguns conceitos que estavam arraigados. Eu ouvi de um empresário experiente do turismo sobre o nosso plano de vender passagem pela internet: "Muito bem, mas você não está na Suíça. Você vai limitar sua empresa a 2%, 3% do mercado. Hoje a Gol vende 85% das passagens pela internet e o bilhete de papel é coisa do passado também para as demais empresas. Nós tivemos a coragem de apostar e a sorte de encontrar as pessoas certas para fazer isso. Amanhã, outra empresa vai quebrar os paradigmas atuais. E nós trabalhamos para que essa empresa seja uma Gol renovada.

Veja – Qual foi seu pior momento à frente da companhia?
Constantino Junior – Sem dúvida nenhuma, o acidente (do vôo 1907, que completou seis meses na quinta-feira, dia em que esta entrevista foi realizada). Além da tragédia em si, coincidiu que o acidente marcou o início de sucessivos problemas no setor aéreo, o que faz com que seja freqüentemente relembrado. É claro que isso é fator de desgaste para a companhia, mas não é perceptível nas pesquisas. Ao contrário, como a Gol se esforçou ao máximo para dar a melhor assistência possível às famílias das vítimas do acidente, ficou demonstrado que é uma empresa que tem responsabilidade. Nós amadurecemos com essa tragédia. Nenhuma companhia que passa por isso continua a ser a mesma.

Veja – Os senhores estão comprando a Varig em pleno apagão aéreo. Não é um risco?
Constantino Junior – Muitas vezes as melhores oportunidades não aparecem nos melhores momentos. Mas nós adquirimos a Varig olhando para o futuro. Eu confio que os problemas serão solucionados. Houve uma conjunção de fatores que criou uma situação muito difícil para os clientes e também para os nossos colaboradores. Muitas vezes a Gol disponibiliza 100% de sua frota e 100% de seu pessoal e não consegue ter informação, que é aquilo de que o cliente mais precisa. A falta de informação é o coração do apagão aéreo.

Veja – Por que a Gol não participou do leilão da Varig no ano passado, tendo tido anteriormente uma aproximação com a Fundação Rubem Berta (a ex-controladora) para comprar a empresa?
Constantino Junior – Basicamente, porque há um ano a Gol vivia um momento bem diferente do atual. Nós ainda tínhamos o desafio de receber várias aeronaves novas, estávamos abrindo seis bases internacionais na América do Sul. No ano passado, contratamos quase 3.500 funcionários. Vivíamos um momento vertiginoso, e não quisemos dar um passo maior que as pernas. Também havia dúvidas em relação à Lei de Recuperação Judicial, que é nova. Hoje sabemos que ela tem eficácia.

Veja – Mas ainda se fala no risco de a GTI (subsidiária da Gol que comprou a Varig) assumir todo o passivo, que é de impressionantes 7 bilhões de reais. O passivo pode recair sobre a Gol, que é a controladora. Esse risco existe?
Constantino Junior – Nós entendemos que a transação compreende a compra de uma empresa VRG, que opera a marca Varig, livre de qualquer passivo. É dessa forma que concluímos a negociação, e entendemos que o risco é mínimo, na medida em que os trabalhadores fizeram parte desse plano de recuperação e concordaram com a venda da unidade produtiva isolada nas condições previstas no leilão. Esse princípio contido na lei, de que os credores decidem o futuro da empresa, foi o que norteou o leilão. E nós acreditamos que ele será preservado.

Veja – A CVM está questionando o vazamento de informações na operação. VEJA noticiou as negociações um mês antes da compra e anunciou a conclusão menos de uma semana antes de sua concretização. Esse questionamento pode trazer problemas?
Constantino Junior – Creio que não. Percebo que a CVM cumpre seu papel, mas a Gol preza a transparência. Vamos colaborar com as informações necessárias à investigação, e não acredito que isso vá interferir em nada.

Veja – O senhor é apaixonado por corridas de carros. O que é mais emocionante: ultrapassar um Porsche ou a TAM?
Constantino Junior – Qualquer ultrapassagem é boa, gera perspectivas boas, evolução, faz parte de uma caminhada para o futuro. A Gol não tem como meta ultrapassar a TAM. O principal objetivo é fazer o nosso trabalho, oferecer ao cliente a opção do nosso serviço e deixar que ele escolha. Se isso redundar em liderança, ótimo. Até porque esse não é um fator nada desprezível para uma empresa que pretende ser um player global.