quarta-feira, março 28, 2007

Racismo de Estado por DORA KRAMER


A ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial da Igualdade Racial, talvez não tenha consciência de que ninguém mais além do presidente Luiz Inácio da Silva dispõe, “neste País”, do direito de dizer disparates impunemente.

Lula conquistou essa prerrogativa e dela faz uso diário e permanente. Tornou-se inimputável no assunto. Não causa espécie nem provoca desconforto porque fala muito e a inconveniência de hoje é sempre anulada pela incontinência de amanhã.

Já a ministra Matilde raramente pronuncia-se em público. Ontem, manifestou-se em entrevista à BBC Brasil a propósito da passagem dos 200 anos da proibição do comércio de escravos pelo Império Britânico. E, convenhamos, caprichou no desatino.

Superou o chefe. Lula, em matéria de incorreção política havia produzido uma declaração imbatível quando de sua visita à capital da Namíbia, surpreendendo-se pelo fato de Windhoek não dar ao visitante a impressão de “estar na África”, tão desenvolvida apresentava-se a cidade.

A ministra Matilde - note-se, da Igualdade Racial -, em sua entrevista à BBC, foi além do politicamente incorreto. Incorreu em manifestação de racismo puro. Aquele que quando se configura um crime é inafiançável e pune quem prega a distinção - ou exibe convicção sobre as diferenças - entre os seres humanos mediante o critério racial.

Disse, sem nenhum pejo e muito vezo, a ministra a título de justificativa do preconceito de negros contra brancos: “Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta os direitos dos outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou”.

Defende, portanto, a seguinte idéia: oprimidos ancestrais têm todo o direito de repudiar os que lhe invocam a opressão, ainda que no cerne dessa reação esteja a disseminação da intolerância racial na Humanidade.

Minorias, só por serem minorias, sejam elas políticas, econômicas, raciais ou simplesmente numéricas dispõem de licença social e legal ao exercício do preconceito e da insurgência.

A se considerar aceitável o pensamento da ministra de que o racismo se traduz no poder da maioria de coibir ou vetar o direito do semelhante - sendo inválido o inverso - teríamos de aceitar que às minorias tudo é permitido, inclusive o crime.

A ministra Matilde tem o direito de pensar o que bem entender e se expressar como melhor lhe aprouver. Não pode, contudo, esperar compreensão nem candidatar-se ao perdão.

E não parece adequado que, sendo defensora convicta da naturalidade contida no ato de um ser humano recusar-se à convivência do outro por rejeição à cor de sua pele e ao formato de suas feições, a ministra Matilde Ribeiro permaneça no cargo de representante do Estado brasileiro na pasta responsável pela promoção da igualdade racial.

Por um simples e óbvio motivo: dona Matilde é racista.

Faraós

Os presidentes de tribunais superiores reclamam do corte de R$ 744 milhões no orçamento do Judiciário, ordenado pelo governo federal para 2007.

Alegam que a contenção vai impedir providências importantes, como conclusão do sistema de informatização, e prejudicar o atendimento ao público.

Perdem força os argumentos dos magistrados, contudo, quando nenhum deles impõe um só reparo ao projeto de construção na nova sede do Tribunal Superior Eleitoral em Brasília ao custo estimado de R$ 330 milhões.

O prédio é 12 vezes maior que o atual, custará mais caro que todas as outras sedes de tribunais federais. Junto com o edifício da Procuradoria-Geral da República, os edifícios formam um conjunto para faraó nenhum botar defeito.

Mas há um alento que nos conforta e faz dormir o sono dos justos: segundo informa o site do TSE, a nova sede propiciará muita economia em função do sistema de aproveitamento de águas das chuvas.

Correção

Está errado o registro feito ontem aqui em relação a uma declaração do ministro Tarso Genro a respeito da crise aérea. Ele nunca disse que são neuróticas, açodadas e deselegantes as pessoas que reclamam dos atrasos dos vôos nos aeroportos.

Açodada foi a citação, produzida a partir da confiança exclusiva na memória.

Quando era ministro das Relações Institucionais, o atual titular da Justiça disse que o presidente Lula não estava com “pressa neurótica” para resolver a crise. A frase pode ter sido igualmente infeliz, mas não tinha o sentido da declaração atribuída a ele.

Além do mais, ele tinha toda razão quanto ao ritmo lento que o presidente pretendia imprimir à solução da crise.