sábado, março 31, 2007

Rabino Henry Sobel é preso por furto

Transtornado

Preso na Flórida por furtar gravatas de grifes
famosas, o rabino Henry Sobel sofre de
"transtorno de humor", segundo os médicos


Juliana Linhares

Os religiosos brasileiros sofreram um choque na quinta-feira passada. Revelou-se um fato constrangedor envolvendo o rabino Henry Sobel, um dos mais visíveis líderes do diálogo inter-religioso no Brasil.

Sobel, de 63 anos, presidente do rabinato da Congregação Israelita Paulista (CIP), foi detido em Palm Beach, na Flórida, sob acusação de ter furtado, de diferentes lojas, gravatas de marcas famosas. A prisão ocorreu no dia 23, mas sua notícia só chegou ao Brasil na quinta-feira passada. Sobel passou 21 horas na prisão e teve sua foto colocada no site do condado da polícia de Palm Beach. No Brasil, procurado por repórteres, o rabino inicialmente negou o episódio e chegou a afirmar que a foto publicada no endereço eletrônico da polícia não era a sua. Horas mais tarde, pediu afastamento temporário da CIP – à frente da qual recebia um salário de cerca de 30.000 reais por mês – e, em seguida, foi internado no Hospital Israelita Albert Einstein. De acordo com boletim médico divulgado pelo hospital na sexta-feira, o rabino apresenta "transtorno de humor, descontrole emocional e alterações de comportamento". O texto sugere que o quadro teria sido causado pela ingestão excessiva de medicamentos contra insônia.

Segundo informações da polícia americana, Sobel foi flagrado por câmeras da loja Louis Vuitton – localizada na Worth Avenue, uma das mais elegantes da cidade – escondendo no bolso uma gravata. Momentos depois, policiais que o abordaram nas imediações da loja revistaram seu carro e nele encontraram uma sacola com outras quatro peças – das grifes Giorgio's, Gucci e Giorgio Armani. Ainda de acordo com a polícia, Sobel admitiu ter levado os produtos sem pagar por eles. Ao todo, as peças custavam 680 dólares, ou cerca de 1.400 reais. Depois de passar a noite em uma cela com capacidade para até 64 detentos, o rabino pagou uma fiança de 3.000 dólares e foi autorizado a voltar ao Brasil. Sua primeira audiência na Justiça americana está marcada para o próximo dia 23. Um juiz deverá ouvir, além dele, o lojista que o identificou no vídeo e o policial que o prendeu. Novas audiências poderão ser marcadas se, por exemplo, a defesa do rabino apontar a necessidade de ouvir mais testemunhas. A advogada Maristela Basso, especialista em direito internacional, acredita, no entanto, que a sentença sairá nesse primeiro encontro em razão da pequena gravidade do crime e dos bons antecedentes do réu. Em diversos estados americanos, a pena para crimes do gênero é a prestação de serviços comunitários.

Pedro Martinelli
Felici/Pontificia Fotografia
Sobel com João Paulo II, no Vaticano; à direita, com dom Paulo, no culto inter-religioso em memória de Herzog

A prisão de Sobel, incluindo a tentativa do líder religioso de encobrir o episódio, não chocou apenas a rica e influente comunidade judaica de São Paulo. O rabino Henry Sobel – nascido em Lisboa, naturalizado americano e residente no Brasil há 37 anos – tornou-se uma referência do diálogo inter-religioso no país desde que, em 1975, subiu ao altar da Catedral da Sé, em São Paulo, para, ao lado do então arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, celebrar um culto em memória do jornalista Vladimir Herzog. Dias antes, ele havia se recusado a sepultar o jornalista como suicida, numa contestação aberta à versão do regime militar, que não admitia ter torturado Herzog até a morte. Não foi seu único gesto de grandeza. Entre o fim da década de 70 e o início da de 80, Sobel participou de um projeto secreto encabeçado por dom Paulo Evaristo Arns e pelo pastor presbiteriano Jaime Wright que visava à reunião de depoimentos de vítimas de tortura durante o regime militar brasileiro. O projeto resultou na publicação, em 1985, do livro Brasil: Nunca Mais. Sobel também deu ao país um exemplo de tolerância e boa vontade ao visitar, em 1996, o então presidente da Autoridade Nacional Palestina, Yasser Arafat, em Gaza.

No seio da comunidade judaica, o rabino nem sempre foi visto como um agregador. Sete anos atrás, uma divergência entre ele e o então presidente executivo da CIP, Mário Adler, dividiu a congregação e quase o levou a perder o cargo, que já ocupa faz dez anos. Embora a briga tenha se tornado pública, seus motivos permanecem na esfera privada dos contendores. Muitos de seus desafetos o acham galante demais. Sobel é casado há 31 anos com a artista gráfica americana Amanda Tasch Sobel, com quem tem uma filha, Alisha, de 24 anos. Nenhuma delas estava nos Estados Unidos quando o rabino foi preso.

Amigos próximos de Sobel afirmam que ele sofre, há dois anos, da doença de Parkinson. O mal já estaria em estágio avançado, e os tremores viriam causando desconforto em público ao rabino. Segundo esses amigos, Sobel toma um coquetel que incluiria, além de medicamentos contra a doença, antidepressivos e remédios para tratar de uma hérnia de disco e de uma insônia crônica. O boletim médico do Hospital Einstein enfatiza o estado de transtorno comportamental do rabino Sobel e o relaciona com os remédios que ele ingere. Caberá à Justiça da Flórida decidir se o furto das gravatas pode ser inteiramente explicado pelas interações químicas. Como religioso, Sobel se submeterá a outros julgamentos: o da própria consciência e o da sua grei. Qualquer que seja a verdade, o episódio vivido por Sobel entristece judeus e não-judeus – e assinala o que pode ser o fim melancólico de uma trajetória marcada pela dedicação e pela tolerância.

Com reportagem de Wanderley Preite
Sobrinho e Naiara Magalhães

FICHADO – Boletim de ocorrência da polícia de Palm Beach: inicialmente, o rabino negou o furto da gravata. Depois, ofereceu-se para pagar por ela. Por fim, admitiu que havia "pego" a peça na loja da Louis Vuitton sem pagar