terça-feira, março 27, 2007

Pior mesmo é a brutal informalidade- JOSÉ PASTORE



Artigo
O Globo
27/3/2007

Na discussão do veto do presidente Lula à Emenda 3 da Lei da Super-Receita, tem-se abordado pouco a razão do grande aumento dos profissionais especializados que trabalham como pessoa jurídica.

No mundo inteiro, as empresas que mais crescem são as que não têm empregados. Nos Estados Unidos, por exemplo, entre 2003 e 2004, houve um aumento de quase um milhão de empresas desse tipo. Das 27 milhões de empresas existentes, 19,5 milhões (72%) são sem empregados.

No Brasil, segundo dados do Cadastro Central de Empresas (IBGE, 2003), das 4,9 milhões de empresas existentes, 3,4 milhões (69%) estão nessa categoria (em 1997 eram 65%).

Cerca de 17% do pessoal ocupado do Brasil trabalham em empresas sem empregados. As áreas de atuação são as mais variadas, desde a lanchonete até o consultor. Segundo os dados da Pesquisa Anual de Serviços (IBGE, 2002), cerca de 22% dessas empresas se dedicam à prestação de serviços a outras empresas. Tais empresas respondem por 34% dos postos de trabalho do setor. Dentre elas, as que prestam serviços técnico-profissionais respondem por 50% dos estabelecimentos e 52% da receita líquida (Pesquisa Anual de Serviços, IBGE, 2002). Uma parcela crescente nas atividades técnico-profissionais. Todas elas contribuem de forma expressiva para o trabalho e para a receita de impostos e contribuições sociais.

Os serviços que mais se expandem por meio de pessoas jurídicas - no mundo inteiro - são os que se relacionam com a chamada economia intangível, e que dependem muito mais do talento intelectual do que da força física. Nos Estados Unidos, das 19,5 milhões de empresas sem empregados, 14% são de profissões liberais, técnicos e cientistas; 8,2% de serviços de saúde; 7,0% de apoio administrativo; 4,8% do campo das artes, entretenimento e recreação; 3,6% dos seguros e finanças; 2,1% dos serviços educacionais; 1,4% dos serviços de informação e comunicação. Ou seja, 41% caem na área dos intangíveis.

No Brasil dá-se o mesmo em termos de distribuição: quase a metade é constituída de empresas cujos profissionais desempenham atividades especializadas como pessoas jurídicas da economia intangível.

A tendência de crescimento desse tipo de atividade é mundial e reflete uma nova divisão do trabalho. Já foi o tempo em que os trabalhadores se dividiam apenas em empregados e empregadores. Nos dias atuais, são muitas as formas de trabalhar: tempo parcial; por projeto (que tem começo, meio e fim); trabalho à distância; trabalho casual, intermitente, cooperado, compartilhado etc.

No passado, era tecnologicamente avançada apenas a grande empresa. Hoje, um pequeno escritório de contabilidade é moderníssimo por estar ligado a todas as informações do mundo por meio da Internet e por processar as contas com base em "softwares" pré-montados.

Há 50 anos, as empresas eram eficientes quando faziam tudo. Hoje são eficientes as que fazem o que sabem e compram o que é feito com mais eficiência e no tempo certo por outra pessoa ou empresa, otimizando os recursos humanos.

Até a década de 80, a competição era entre empresas. Hoje é entre "redes de produção", das quais participam várias empresas e profissionais diferentes. Nessas redes, cada um entra com sua especialidade, no tempo certo, e pelo preço adequado.

Já foi o tempo em que as empresas contratavam pelo menor preço. Hoje, elas buscam o melhor preço, onde a qualidade dos serviços contratados é absolutamente crucial.

Juntamente com esse aumento de profissionais que trabalham como pessoa jurídica, nota-se um incremento do trabalho em horários variados, combinando-se, muitas vezes, a tarefa realizada na empresa com o trabalho feito em casa, no transporte, no hotel e em outros locais.

Tais mudanças vêm ocorrendo de forma acelerada e até mesmo nos países de maior rigidez trabalhista, como é o caso dos estados membros da União Européia. Não adianta gritar "parem o mundo porque eu quero descer". Essa tendência é irreversível. O mundo do trabalho é outro. Há muitas formas de trabalhar além da exercida pelos empregados e empregadores.

A sociedade moderna precisa aperfeiçoar suas leis e instituições e não perseguir os que trabalham legalmente como pessoas jurídicas. Pior para o Brasil é a brutal informalidade que atinge quase 60% dos que trabalham.

Ao votarem a Emenda 3, que dá segurança jurídica a quem presta e quem contrata serviços de pessoas jurídicas, os parlamentares brasileiros entenderam bem os rumos do mercado de trabalho moderno. De lá para cá, não ocorreu qualquer fato novo que possa induzi-los a mudar de idéia. Pela lógica do bom senso, espera-se a derrubada do veto presidencial.

JOSÉ PASTORE é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo.