artigo - Rolf Kuntz |
O Estado de S. Paulo |
29/3/2007 |
Vamos lá, gente, qual é mesmo o motivo da festa? Ah, é o crescimento econômico revisto pelo IBGE. Nos últimos sete anos, a economia brasileira cresceu em média 3,1% ao ano, segundo as novas contas. Pelo critério antigo, a expansão média ficou em 2,6%. No acumulado, a diferença foi de 4 pontos - de 19,6% para 23,7%. O desempenho, afinal, não foi tão ruim quanto se pensava. Foi apenas pífio, numa fase em que o crescimento mundial superou 4% anuais e os emergentes da Ásia chegaram a 8,2%, segundo cálculo do Fundo Monetário Internacional. Sem rabugice, é preciso reconhecer que a revisão das contas trouxe algumas boas notícias, além do número do PIB maior do que se pensava. Os novos cálculos mostraram um crescimento econômico mais difuso, com incorporação de um grande número de pessoas ao consumo. As políticas de transferência de renda produziram algum efeito, assim como os esquemas de crédito popular. Além disso, a revisão mostrou com maior clareza a importância do setor de serviços, por muito tempo subestimada. Um pouco mais de realismo na contabilidade nacional pode ser um ganho considerável. Mas o cenário desenhado com maior realismo não justifica uma explosão de otimismo quanto às perspectivas da economia brasileira. O governo fez o oba-oba previsível. Políticos da oposição, em vez de analisar os novos números, puseram em dúvida a qualidade do trabalho do IBGE - uma atitude sempre perigosa e raramente justificável. Alguns analistas aproveitaram a deixa para espancar a política monetária, gozando as decisões baseadas no conceito de PIB potencial. A discussão poderia ter sido muito mais séria e produtiva, mas, ainda assim, houve momentos de sensatez na avaliação do novo quadro. Os dados agora conhecidos confirmam todos os motivos mais sérios de preocupação quanto ao estado e às possibilidades da economia brasileira. Entre 2000 e 2005 a taxa de investimento foi muito menor do que se imaginava. Ficou próxima de 16,5% do PIB, uma proporção abaixo de pífia, quando comparada com as necessidades do País. Em 2006, embora o valor investido tenha aumentado 8,7%, a formação bruta de capital ficou em míseros 16,8% do PIB. Só por milagre a economia alcançará, de forma sustentada, o ritmo de crescimento desejado pelo governo, sem um aumento considerável do capital aplicado em máquinas, equipamentos e infra-estrutura - para não falar na educação, que até o presidente da República reconhece estar em situação deplorável. Por quanto tempo a economia poderá ser puxada pelo consumo privado e pelos gastos de custeio do governo? Ninguém propôs ainda uma resposta, mas não se pode menosprezar a questão. Além do mais, é preciso levar em conta que o aumento do consumo tem sido possibilitado, em parte, pela transferência direta de renda. Essa transferência não foi acompanhada, até agora, de medidas que permitam livrar da dependência as famílias beneficiadas. O governo não conseguiu, nessa política, ultrapassar o mero assistencialismo. A ação de pronto-socorro pode ser justificável, mas seu alcance econômico e social é inevitavelmente limitado. A mera transferência de dinheiro e de cestas básicas pode aliviar a situação dos muito pobres e até difundir o consumo, mas não elimina as raízes da miséria. Isto pode ser uma obviedade, mas no Brasil os problemas óbvios têm uma espantosa duração. A crise do setor aéreo tem detalhes quase inacreditáveis, mas aí está, diante de todos, e aí deverá continuar por muito tempo. O peso do gasto público no crescimento econômico também ficou mais evidente com as novas contas. A palavra crescimento, neste caso, é muito mais um conceito estatístico do que uma descrição de eventos materiais. A despesa governamental é em grande parte improdutiva e só é sustentável por uma tributação indecente. Parte da expansão do PIB registrada pelo IBGE resultou de uma nova contabilização de impostos. Tão inquietante quanto esses dados é o desempenho medíocre da indústria de transformação. No ano passado, seu crescimento não passou da mísera taxa de 1,6%. Em 2005, havia ficado em 1,1%. Durante décadas, a indústria de transformação foi o principal foco de irradiação de inovações e de criação de empregos qualificados. Ao festejar o aumento do peso dos serviços, como se fosse um indício de modernização, o governo pode ter cometido um grave erro de julgamento. Em vez de celebrar essa novidade talvez ilusória, deveria ter avaliado com maior preocupação a perda de fôlego da indústria.
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