A melhor notícia dos últimos anos agora sairá em livro do Ipea: a queda da desigualdade brasileira.
Ela caiu forte de 2001 a 2005, e é a menor em 30 anos. Nos cinco anos, caiu 20% a razão entre a renda dos 20% mais ricos comparada com a dos 20% mais pobres. Mesmo assim, 90% dos países do mundo têm renda menos concentrada que a nossa.
A má notícia: o ritmo da queda está diminuindo.
A queda da desigualdade, um problema tão antigo e cristalizado, foi uma novidade que provocou vários estudos. Eles estão todos no livro organizado pelos economistas Ricardo Paes de Barros, Miguel Foguel e Gabriel Ulyssea. Os autores dos textos dissecam os diversos lados do fenômeno com a intenção de medir e entender as políticas que levaram ao objetivo que o Brasil busca há tanto tempo.
A desigualdade tem várias medidas. Os dados brasileiros foram filtrados por todas elas, e o resultado foi o mesmo: houve forte declínio a partir de 2001. De lá para cá, a queda do índice de desigualdade, como o Gini, por exemplo, foi de quase 5%. Parece pouco? É o melhor resultado desde a queda que houve na década de 60. Numa lista de 74 países que têm dados da última década, menos de um quarto teve desempenho melhor que o Brasil.
Desigualdade é um problema tinhoso. Às vezes, cai porque o país inteiro empobrece.
Uma recessão forte produz o efeito, como no Plano Collor. Não é melhora da vida dos pobres. Às vezes, a pobreza diminui e a desigualdade até aumenta.
No nosso caso, os pesquisadores do Ipea constataram que houve também ganhos de renda dos mais pobres.
É uma dupla boa notícia, e aconteceu apesar de ser um momento de baixo crescimento. A tendência da queda começa no Plano Real, mas se acentuou a partir de 2001.
Os coordenadores do livro, autores de alguns trabalhos, são de gerações diferentes.
Ricardo Paes de Barros é o veterano, formador de quadros brasileiros na análise cuidadosa, quantitativa e acurada das políticas públicas. Ele é quase lenda, e seu nome virou sigla entre os especialistas: é o PB. Gabriel, o mais novo, tem menos de 30 anos. O livro serve também para exibir a lista de vários pesquisadores brasileiros nesta área que tem sido um dos nossos desafios: combater a desigualdade com políticas eficientes. O fenômeno é complexo, e é melhor tratálo com técnica do que com retórica; com análise de processo do que como torcida em favor de um governo. É o que os 22 autores e organizadores fazem.
“Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente” é um livro para circular entre estudiosos e interessados; não é candidato a best-seller. Mas é indispensável para quem quer entender a natureza do fenômeno e responder a pergunta: onde foi que acertamos em área em que temos errado tão reiteradamente? O livro começa com a publicação de uma nota técnica do Ipea; os estudos se seguem esmiuçando o relatório e testando hipóteses.
A conclusão dos vários testes: eles se dizem 99% certos de que a desigualdade está mesmo em queda.
Estamos muito longe da média mundial, ou seja, ainda somos muito desiguais, mas o importante é estudar a magnitude e as razões dos “nítidos e robustos sinais de queda dos últimos anos”.
Principalmente as razões, porque elas dão pistas do que fazer adiante. Os pesquisadores descobriram que não há causa que, sozinha, explique o fenômeno, mas existem razões mais relevantes que outras.
As três mais determinantes: força de trabalho mais qualificada pelo avanço da educação; redução das desigualdades dentro do mercado de trabalho; uma rede de proteção mais ampla, com o Bolsa Família. Ter mais de uma causa significa que a boa notícia é mais sustentável.
Mesmo assim, há um problema relevante: no Brasil, pesquisas diferentes mostram valores diferentes para a renda das famílias. A POF, uma pesquisa de consumo, encontra uma renda 26% maior que a encontrada pela Pnad, que também é diferente do que se registra no Sistema de Contas Nacionais.
Essa discrepância é objeto de um dos estudos. O dado é relevante, tratei dessas discrepâncias em coluna recente, mas não é importante para a questão da desigualdade.
O estudo mostra que a renda está subestimada pela Pnad — tanto entre os mais ricos quanto entre os mais pobres —, mas isso não altera os dados da desigualdade. De qualquer maneira, indica uma inquietante questão que outros pesquisadores têm estudado: as contradições entre renda e consumo no Brasil.
O que o livro permite é comemorar, enfim, numa área em que sempre tivemos — e ainda temos — razões para nos envergonhar.
Mas os autores alertam: “Esse é o primeiro passo de uma longa caminhada.” A chave do sucesso é continuar fazendo o que tem dado certo. É preciso insistir na ampliação da educação e aumentar a oferta de mão-de-obra qualificada.
Mas o mercado de trabalho cria desigualdades quando remunera diferentemente pessoas com mesmo nível de qualificação. A razão dessa diferença são as discriminações de gênero e raça. Combatê-la é reduzir a desigualdade. Programas como o Bolsa Família ajudaram a produzir o fenômeno.
As transferências de renda sempre foram altas no Brasil, mas a novidade agora é que elas são focadas nos mais pobres, com o Bolsa Família. Herdeira do Bolsa Escola e ampliada, a política gera muitas controvérsias.
Os dados mostram que ela explica parte da redução da desigualdade.
O Brasil tem sido um país emblemático de desigualdade.
Encontrar os caminhos do acerto e persistir neles é realizar um velho sonho. Sonho que ficou um pouco mais perto nos últimos anos