Em meio a denúncias de mortes por exaustão de trabalhadores nos canaviais paulistas, o Programa Brasileiro de Certificação de Biocombustíveis, que está sendo desenvolvido pelo Inmetro, vai dar atenção especial aos aspectos sociais e ambientais da produção dos biocombustíveis. A parceria com o Nist (o instituto nacional de metrologia dos EUA) fará com que essas normas venham a ser incorporadas aos aspectos técnicos do produto, para que tenha uma uniformidade capaz de transformá-lo em commodity.
Não foi um arroubo, portanto, que fez o presidente Lula recentemente classificar de “heróis” os usineiros de cana-de-açúcar, o que não retira do epíteto sua carga de exagero. Há uma preocupação do governo brasileiro com a disputa de mercado internacional, e o objetivo é que esse programa se transforme em um instrumento para a superação de eventuais barreiras, não apenas técnicas, aos nossos biocombustíveis.
Há muitos grupos de pressão que trabalham com denúncias de que a produção envolveria práticas sociais e ambientais condenáveis, como destruição de florestas naturais e trabalho infantil. O governo reconhece em alguns desses grupos o intuito de defender os direitos humanos ou a natureza, mas identifica também interesses econômicos por trás de denúncias.
Por isso está preparando um programa de certificação que, na explicação do Inmetro, além dos aspectos técnicos, defina regras de políticas sociais a serem seguidas, “com o objetivo de proporcionar adequado grau de confiança de que o processo de obtenção do biocombustível certificado, além dos requisitos técnicos estabelecidos em normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas, ou em normas que venham a ser consensadas internacionalmente, inclui itens de responsabilidade social e ambiental”.
A certificação é um dos mecanismos de avaliação mais utilizados no mundo para definir se um determinado produto, processo, serviço ou mesmo um profissional segue normas e procedimentos específicos preestabelecidos. Conduzido por uma entidade independente do processo produtivo, pode ser de caráter voluntário ou compulsório, sendo este último definido, necessariamente, pelo governo.
Segundo os especialistas, atualmente a certificação pode ir além de verificar o cumprimento de aspectos técnicos intrínsecos ao produto. Desde meados da década de 90, quando as questões ambientais e sociais passaram a fazer parte das preocupações da sociedade, a comunidade internacional de avaliação da conformidade passou a incorporar, em muitos processos de certificação, requisitos ambientais, sociais e de bem-estar do trabalhador.
Serão exigências básicas para a certificação dos biocombustíveis os seguintes itens: — Não utilizar trabalho escravo; — Não utilizar trabalho infantil; — Não causar desmatamento; — O trabalhador ter os seus direitos respeitados; — O trabalhador ter condições adequadas de trabalho.
O Inmetro considera que, levando-se em conta a liderança que o Brasil vem exercendo na articulação de ações internacionais de promoção dos biocombustíveis, o programa poderá ser reproduzido em outros países emergentes que necessitem demonstrar a sua sustentabilidade. Esse seria um fator determinante, na opinião das autoridades brasileiras, para ampliar a oferta mundial e a conseqüente transformação do biocombustível em commodity.
Os aspectos físico-químicos dos biocombustíveis, que desde algum tempo têm mobilizado os laboratórios do Inmetro, já estão avançados.
Em fevereiro foi concluído o desenvolvimento de material de referência certificado (MRC) para etanol, envolvendo seis parâmetros, e iniciado o processo de intercomparação com o Nist americano, o que permitirá que o mesmo padrão seja aceito nos dois países, dentro de um amplo programa entre as duas instituições para o desenvolvimento de padrões metrológicos para biocombustíveis.
Os aspectos ambientais e sociais das diversas áreas que compõem a política energética estão sendo permanentemente discutidos, não apenas em nível de governos, mas também entre os estudiosos do assunto. O gasoduto que cortaria a América do Sul, com cinco mil quilômetros, interligando Venezuela e Brasil, passando pela Amazônia, por exemplo, foi repensado, e agora servirá de abastecimento apenas para o Nordeste.
Fora do desenho original, o gasoduto não mais passará pela Amazônia, pois provocaria uma grita geral por parte dos preservacionistas. O governo brasileiro buscou uma forma alternativa de suprir de energia a região de Rondônia e Acre, através das usinas do Madeira.
Esses aspectos, além dos puramente econômicos, são tema também do último número da revista do Instituto de Estudos Avançados da USP. O “Dossiê Energia”, além de registrar, em seus diversos artigos, as divergências de opinião entre os estudiosos sobre temas tão fundamentais quanto o consumo de energia para os próximos anos, ou a alternativa da energia nuclear, que tem defensores e opositores sustentando seus pontos de vista, dá uma atenção especial para os aspectos ambientais e sociais da produção de energia.
As condições de trabalho nos canaviais e a ameaça potencial de ser prejudicada a produção de alimentos no país são objeto de dois artigos. A tese fundamental que transparece em vários artigos é de que é preciso buscar soluções que sejam as menos nocivas na ampliação da produção de energia. As novas usinas da Bacia do Amazonas, como nos rios Madeira e Xingu, são analisadas dentro da ótica de que não se pode incorrer nos mesmos erros cometidos em outras usinas da região.
Não foi o Partido Republicano Brasileiro (PRB) que recebeu o maior número de deputados que trocaram de legenda, mas o Partido da República (PR).