sábado, março 31, 2007

Feitos para crer


Maior fenômeno editorial da história, O Segredo
mal chegou ao Brasil e já é sucesso. O segredo?
O ser humano nasceu para acreditar


Lizia Bydlowski

Montagem com fotos de Pando Hall/Getty Images, Darrin Zammit/Reuters, Daniel Benass/Contigo, Fabio Mangabeira, Mario Rodrigues e divulgação



Você é o que pensa. Até aqui nenhuma novidade. A premissa vem sendo veiculada, com maior ou menor sustentação e apuro intelectual, desde o alvorecer de um estranho tipo de primata capaz de analisar fatos, estabelecer relações entre eles e projetar expectativas no tempo (veja a reportagem). Avançando algumas centenas de milhares de anos na história humana: pelo individualismo que traz embutido, o conceito da força do pensamento proliferou nos Estados Unidos, a terra por excelência da meritocracia e da valorização do esforço de cada um, e tende a ressurgir em sociedades em que as mudanças coletivas parecem emperradas. Sendo este justamente um desses momentos, espalha-se pelo mundo – começou nos Estados Unidos, claro, e já está batendo no Brasil – um fenômeno que arrebanha fiéis com ímpeto impressionante: o passo-a-passo para o sucesso revelado em O Segredo, um DVD transformado em livro que prega a força do pensamento positivo (e negativo também) em sua versão mais popular, simplista e atraente. O DVD, que custa cerca de 35 dólares, já vendeu 1,5 milhão de cópias; o livro, lançado há três meses, está em primeiro lugar na lista de auto-ajuda do The New York Times e teve a primeira edição de 1,75 milhão de cópias esgotada. Outra, de 2 milhões, está a caminho, o que faz dele, possivelmente, o maior sucesso de vendas do gênero na história. No Brasil, onde O Segredo só existe em inglês mas já é tema de quatro comunidades no site de relacionamentos Orkut, a maior delas com 12.000 membros, o filme estreou em cinemas de oito cidades na sexta-feira, e a Ediouro corre para lançar o livro no dia 5 de maio.

Como é regra no campo da auto-ajuda, a maior beneficiária até agora de O Segredo é a australiana Rhonda Byrne, 55 anos, a dona da idéia. Que idéia é essa? Simples: pense muito, pense forte, pense certo, pense com sentimento, e o que você quer cairá na sua mão (ou no seu pescoço, se for um colar de diamantes, situação efetivamente encenada no filme). Nas palavras de Rhonda: "Se você visualizar na mente aquilo que deseja e fizer disso seu pensamento dominante, atrairá o que quer para a sua vida". Palavras do livro, porque em pessoa Rhonda anda reclusa na casa nova em Malibu, a praia chique da Califórnia, não dá entrevistas e não pode ser incomodada – prepara, acertou, O Segredo, Parte II.

A base teórica do segredo – se é que se pode chamar de base algo tão fluido e assentado no senso comum – é o que a autora chama pomposamente de lei da atração. Nada mais do que a ancestral noção de que as pessoas são capazes de atrair para si mesmas coisas boas ou ruins dependendo de sua disposição mental. São Marcos, o evangelista: "Por isso vos digo: tudo o que pedirdes na oração, crede que o haveis de conseguir e que o obtereis". Rhonda: "Tudo o que acontece na sua vida é você quem atrai. E a atração se dá pelas imagens que você carrega na mente. É o que você está pensando. Aquilo que está na sua mente é o que você atrai para si".

Funciona? A resposta não é simples nem rasteira como O Segredo. Ninguém obviamente pode "atrair" um câncer ou se curar de um tumor apenas pela força do pensamento negativo ou positivo, conforme o caso. Todas as pesquisas criteriosas mostram isso com clareza aritmética. Mas as mesmas pesquisas mostram que pessoas que rezam pela própria cura e que se mentalizam com saúde ainda que presas a uma cama de hospital têm maiores chances de se livrar da doença do que as que se entregam ao desespero e ao derrotismo. A explicação científica óbvia é a de que os otimistas acreditam na própria cura e, por essa razão, tendem a se cuidar mais, a seguir o tratamento médico com maior afinco e disciplina. Ocorre que se vive hoje um ambiente de adelgaçamento civilizatório em que um número maior de pessoas acredita em anjos do que em antibióticos. Nesse ambiente, a cura dos otimistas, dos que acreditam, dos que rezam, é quase sempre atribuída a fatores sobrenaturais, e não aos remédios e às cirurgias. É nesse desvão que prosperam os criadores de O Segredo.

Divulgação

QUERER É PODER
Rhonda, a dona de O Segredo: sucesso estrondoso com a idéia de dar nova roupagem a uma fórmula antiga


Em 2004, a vida de Rhonda era uma imagem espelhada da de tantas mulheres que formam o público ideal para o pensamento mágico implícito em O Segredo: na casa dos 50, sem marido, as filhas crescidas e seu negócio (produzir séries para a TV australiana) afundado em dívidas. Leu por acaso um livrinho de 1910, intitulado A Ciência de Enriquecer, e fez-se a luz. "Incrédula, me perguntei: como é possível que isso não esteja ao alcance de todas as pessoas? Fui consumida por um premente desejo de dividir O Segredo com o mundo", relata. Mergulhou num curso intensivo de vinte dias em que, pelas suas contas, leu "centenas" de livros e artigos. Planos e título primoroso – quem não quer ficar por dentro de um Segredo, com S maiúsculo, embalado em capa medieval com lacre e tudo? –, hipotecou a casa e partiu para um congresso de técnicas motivacionais nos Estados Unidos. Lá arrebanhou 24 luminares da área do "melhore já a sua vida", uns mais, outros menos conhecidos, para dar seu depoimento num vídeo sobre a lei da atração, dando-lhe tinturas de "ciência quântica", o ramo da física que, por navegar em campo altamente especulativo, vive sendo invocado por leigos de pendores esotéricos (veja o quadro na pág. 80). O DVD tem noventa minutos de depoimentos de certos sujeitos chamados de "mestres", intercalados com elaborações na voz de Rhonda. Principalmente faz a encenação de pessoas alcançando seus desejos de modo mágico, como nos desenhos animados. Em março do ano passado, Rhonda encontrou um site na internet para vender sua obra. As vendas foram crescendo. Uma editora sugeriu que ela escrevesse um livro para acompanhar o DVD. Finalmente, O Segredo chamou a atenção da sacerdotisa da opinião pública americana, a apresentadora Oprah Winfrey. Ela abraçou a causa e bingo! Como acontece com quase tudo a que Oprah dá sua carismática chancela, a carreira de O Segredo decolou no mercado americano de classe média, uma máquina de consumo de 150 milhões de pessoas sempre ávidas por novidades que prometam felicidade sem a contrapartida do sacrifício. "Tenho aplicado a lei da atração a vida inteira, sem saber", sentenciou Oprah.

Negra, gordota, abusada sexualmente na infância, Oprah Winfrey tornou-se bilionária e a mais poderosa mulher dos Estados Unidos apenas por ter "aplicado a lei da atração"? Seu trauma sexual foi causado por algum "pensamento negativo"? Os recordes de audiência e o toque de Midas que concede a qualquer produto de massa que ela toca foram produzidos pelo "pensamento positivo"? Certamente, seria uma simplificação absurda acreditar nisso. Mas crédito se dê ao fato de os autores de O Segredo terem capturado com sua baboseira teórica dois dos mais sólidos sobreviventes arquétipos do processo de civilização: a vontade de acreditar e a existência de um mundo perfeito do qual nós, mortais, somos apenas cópias imperfeitas.

Um capítulo do livro da australiana é chamado de "O segredo e seu corpo". Ele dá a receita de como emagrecer comendo de tudo. Está-se diante aqui de uma moderna e talvez inconsciente reedição da "caverna de Platão" – a poderosa metáfora que o filósofo grego usou para explicar as fraquezas humanas. Nas paredes da caverna de Platão são refletidas as sombras cambaleantes do mundo perfeito existente do lado de fora. Com a palavra, Rhonda: "Tenha pensamentos perfeitos, e o resultado será um peso perfeito. Se você se concentrar em perder peso, vai atrair mais necessidade de perder peso, portanto tire o 'tenho de perder peso' da cabeça". Outro ensinamento: "Estar acima do peso é resultado de 'pensamentos gordos'".

Especialistas ouvidos por VEJA viram no novo fenômeno de auto-ajuda a pregação de uma forma positiva de encarar a vida. Essa disposição confere vantagens indiscutíveis. Pessoas dotadas naturalmente de um perfil psicológico energizado tendem a ser bem-sucedidas na vida profissional, social e familiar. "O pensamento positivo associado a uma ação ensejará muito mais sucesso do que o negativo. Sabemos, por uma série de estudos, que pensar positivamente estimula o cérebro a buscar mais saídas", diz o psiquiatra Sergio Nick, secretário da Associação Brasileira de Psicanálise. Segundo, a própria simploriedade da fórmula permite aplicações flexíveis. Um caso exemplar é o de Luiza Helena Trajano, muitíssimo bem-sucedida superintendente da terceira maior rede de varejo do país, o Magazine Luiza, e pioneira no emprego das táticas de O Segredo entre seus funcionários. Antes da chegada do DVD e do filme ao Brasil, Luiza já estava mandando dublar e legendar cópias do filme e da entrevista de Rhonda para Oprah, para mostrar aos 11.000 funcionários de suas 352 lojas. "Com as fusões dos últimos dois anos, incorporamos 4.000 novos funcionários. Eu procurava um mecanismo para transmitir a essas pessoas a alma do Magazine Luiza quando a psicóloga da empresa me apresentou ao documentário. No mesmo dia, cheguei em casa e vi o programa da Oprah. Gostei mais ainda", conta Luiza, que é naturalmente entusiasmada e positiva – além de trabalhar como um trator e ter capacidade de visão a longo prazo, entre seus segredos nada secretos. O DVD já foi apresentado em "encontrões" de funcionários e a grupos menores de diretores e gerentes. "Fiz uma edição, para explorar mais a parte que ajuda a combater o papel de vítima que as pessoas costumam assumir na vida. O importante é fazer com que cada pessoa acredite nela mesma", diz a empresária.

O paulista Aldo Novak, que tem uma empresa de treinamento de executivos, também assistiu ao DVD, achou ótimo e pretende aproveitar trechos para ilustrar suas palestras. "Não há nada de esotérico na lei da atração. É uma técnica através da qual, com o cliente, estabelecemos metas e planejamos como atingi-las", afirma, em outra demonstração de uso pragmático dos métodos do pensamento positivo. Faz uma ressalva aos ensinamentos dos "mestres": a aplicação da lei da atração na saúde. "Ela deve ser utilizada como coadjuvante dos tratamentos convencionais." Ufa! Aqui se chega ao cerne da razão de sucesso do atual e de todos os demais fenômenos de auto-ajuda que fizeram carreira desde que o pastor americano Norman Vincent Peale lançou seu O Poder do Pensamento Positivo, em 1952: o ser humano estará sempre pronto a acreditar!

A CIÊNCIA E A CARTOMANTE

A elegante disposição dos astros e seu balé preciso no céu definido por fórmulas limpas e exatas. Essa é a astronomia de sir Isaac Newton (1643-1727). Não há lugar para crendices. A ebulição da física do século XX produziu um céu bem diferente do newtoniano: um espetáculo cósmico de fogueiras atômicas, estrelas canibais, buracos negros onde o átomo e a galáxia têm o mesmo peso. É o universo onde tudo é relativo, em que se pode estar em dois lugares ao mesmo tempo ou chegar antes de sair.

Essa revolução da física produziria, sem querer, o caldo de cultura para o moderno charlatanismo "quântico" ou "holístico". O Segredo, da australiana Rhonda Byrne, faz uso livre de conceitos da física quântica para justificar os miraculosos resultados que seu método proporcionaria. A culpa é de gênios como o austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961), que para tornar suas equações mais palatáveis criou o famoso experimento do gato preso na caixa junto com um frasco de veneno. Uma partícula subatômica disparada contra a caixa poderia ao mesmo tempo atingir e não atingir o frasco de veneno, produzindo como resultado um gato morto e vivo. Era tudo que um charlatão poderia esperar de um cientista premiado com o Nobel.

Outro gênio alemão ganhador do Nobel, Werner Heisenberg (1901-1976), pai do projeto nuclear nazista, formulou o Princípio da Incerteza. Segundo esse princípio, não se pode ter total certeza, ao mesmo tempo, da posição e da velocidade de um elétron. Festejam as cartomantes, videntes quânticos e holísticos de todo tipo: se a ciência tem dúvidas, então vivam as nossas certezas!


Salada de idéias mágicas

O Segredo recicla achados de outros livros de auto-ajuda
e dilui conceitos da psicanálise, da economia e da religião


Jerônimo Teixeira

Imagno/Getty Images
ONIPOTÊNCIA DO PENSAMENTO
Freud analisou os mecanismos da magia, que seriam próprios dos povos primitivos e das crianças – mas também sobrevivem no mundo moderno

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Nesta edição
Feitos para crer

O antecessor de toda a literatura de auto-ajuda é o poeta e ensaísta americano Ralph Waldo Emerson (1803-1882), com seu chamado ao aperfeiçoamento pessoal em Autoconfiança, texto de 1841. Esse ensaio pregava um individualismo extremado e anti-social – a sociedade, dizia Emerson, nada mais é que uma "conspiração para roubar a virilidade de seus membros". A auto-ajuda posterior – do inglês James Allen, no início do século XX, ao guru "quântico" indiano Deepak Chopra (veja quadro) – herdou a retórica motivacional de Emerson, mas a colocou em uma moldura conformista. Passou-se a valorizar o sucesso. A moderna auto-ajuda é, afinal, um produto da sociedade de mercado. No fundo de todos os seus livros, há uma simplificação das idéias centrais da teoria econômica liberal: como agente econômico livre, o homem é capaz de mudar suas circunstâncias e produzir riqueza. Não surpreende, aliás, que um dos maiores clássicos da auto-ajuda, Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, do americano Dale Carnegie, tenha surgido em resposta a uma crise econômica – a Grande Depressão dos anos 30.

Os grandes capitalistas em geral professam uma filosofia de autoconfiança e otimismo, às vezes traduzida em livros autobiográficos com um pé na auto-ajuda – caso, por exemplo, de Jack Definitivo, best-seller de Jack Welch, executivo da General Electric, e, bem antes, de Autobiografia, de Andrew Carnegie, magnata da siderurgia do século XIX. "Um estado de espírito luminoso vale mais do que a boa sorte. Os jovens devem aprender que a mente, como o corpo, pode se mover da sombra para o sol", dizia Carnegie. Há exceções, claro: ninguém diria que o magnata Howard Hughes, retratado no filme O Aviador, era uma personalidade "ensolarada" – mas sua hipocondria e suas debilitantes fobias sociais não o impediram de ser bilionário.

AP
ILUSIONISMO MENTAL
Uri Geller jura que dobra talheres e faz adivinhações com a força da mente. Mas esses são truques que todo mágico de salão sabe reproduzir


No plano da psicologia, a auto-ajuda pretende ensinar seus leitores a superar traumas, entraves e inibições que os impeçam de chegar à felicidade. Pode ser encarada, nesse sentido, como uma versão barata da psicanálise. "A convocação a tomar uma parte mais ativa na vida, através do conhecimento daquilo que nos determina, é uma aspiração socrática que a psicanálise herdou, e que a auto-ajuda dilui", diz o psicanalista Renato Mezan, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Outra concepção fundamental da auto-ajuda é que as pessoas carregam, dentro de si mesmas, forças que atuam em sentido contrário aos seus desejos – mais uma vez, diz Mezan, uma diluição de um conceito fundamental da psicanálise: os mecanismos de defesa.

Talvez seja o próprio fundador da psicanálise quem forneça os melhores instrumentos críticos para entender do que trata O Segredo. No clássico Totem e Tabu, Sigmund Freud examina com rigor os mecanismos do pensamento mágico que seria peculiar aos povos primitivos e às crianças. O princípio fundamental da magia, segundo Freud, é a "onipotência do pensamento" – a idéia de que se pode conseguir qualquer coisa apenas pela força do desejo. Essa concepção corre ao lado do animismo, a doutrina segundo a qual todas as coisas, sejam elas animais, vegetais ou minerais, carregam uma alma. Essas são crenças ancestrais que, sempre de acordo com Freud, persistem na vida moderna "sob a forma degradada da superstição". O Segredo cabe perfeitamente no figurino do pensamento mágico. O livro não fala mais em "alma", preferindo termos laicos roubados da física, como "energia" ou "magnetismo" – mas, sob o novo vocabulário, subsiste a idéia de que a realidade física que cerca o homem é dotada de consciência. O livro é insistente nesse ponto: o universo está sempre ouvindo o que as pessoas pensam. E esses pensamentos podem mudar qualquer coisa. São, nos termos de Freud, onipotentes.

"Todas as grandes tradições religiosas acabam se distanciando do pensamento mágico. No judaísmo, isso ocorre, grosso modo, com os profetas hebraicos, que criticavam os sacrifícios como modo de barganha com Deus", diz o teólogo Luiz Felipe Pondé, da PUC de São Paulo. No judaísmo e depois no cristianismo, a relação com Deus passou a ser regida pela ética, não pelo toma-lá-dá-cá (ainda que algumas vertentes pentecostais retornem ao pensamento mágico na sua "religião de resultados"). O Segredo, embora ensine a barganhar com o universo, busca amparo na sabedoria religiosa menos imediatista. Um aforismo de Buda ("Tudo o que somos é resultado do que pensamos") é citado no livro, embora o desapego às coisas terrestres próprio do budismo seja esquecido. E o "método criativo" da obra é baseado em uma frase de Jesus que aparece, com pequenas variações, nos evangelhos de Mateus e Marcos: "Tudo quanto pedirdes em oração, crendo, recebereis". É uma miscelânea que não faz sentido aos olhos dos estudiosos da religião. "Essa tentativa de transformar Jesus e Buda em gurus do pensamento positivo é risível", diz Pondé.

O recurso à tradição cristã não é inédito na auto-ajuda. Um dos "clássicos" do gênero, O Poder do Pensamento Positivo, de 1952, foi escrito por um pastor metodista, Norman Vincent Peale. Expressão da ética protestante de que fala o sociólogo alemão Max Weber, Peale fazia uma relação direta entre fé e prosperidade, com recurso a outras tantas máximas da Bíblia (por exemplo, "se Deus está por nós, quem pode estar contra nós?", da epístola de São Paulo aos Romanos). O Segredo é mais parcimonioso na citação das escrituras e busca dar um verniz "científico" a suas proposições. Seu apelo constante à positividade, contudo, só encontrará eco nos leitores dispostos a dar o salto cego da fé, abraçando a idéia mágica de que os pensamentos transformam o mundo. E transformam mesmo – mas só os muito originais e desde que convertidos em ação.

O israelense Uri Geller (quem tem mais de 40 anos deve se lembrar bem dele) poderia ser garoto-propaganda de O Segredo. O livro e o documentário da australiana Rhonda Byrne propõem que o pensamento não conhece limites na sua capacidade de alterar o mundo. É quase o mesmo que Geller vem afirmando já há mais de trinta anos nas demonstrações públicas de seu suposto poder psíquico. Aliás, há mais de uma semelhança entre o mais recente best-seller de auto-ajuda e o autoproclamado paranormal. Se o que eles pregam às vezes parece funcionar de fato, nunca é assim pelas razões que eles alegam. Geller diz fazer adivinhações e dobrar talheres com o poder da mente, mas esses truques podem ser reproduzidos por qualquer ilusionista, como o mágico e cético profissional James Randi já demonstrou sobejamente. O Segredo alega que leitores e espectadores podem mudar sua vida radicalmente com alguns exercícios mentais simples, desde que entendam a "lei da atração", segundo a qual toda pessoa seria uma "torre de transmissão humana", bombardeando o universo com o magnetismo de seus pensamentos.

O fato cabal é que essa lei não existe. "O pensamento por si só não altera o mundo físico, mas as pessoas têm maior probabilidade de obter sucesso se mantiverem uma atitude positiva. Esse é um fato psicológico bastante simples", diz Gustav Jahoda, da Universidade de Strathclyde, na Escócia, autor de A Psicologia da Superstição. Há ainda um último ponto em que a analogia entre Geller e O Segredo se revela pertinente: assim como os truques do israelense pertencem ao repertório comum de qualquer mágico, O Segredo também não traz nada de propriamente original. Ele apenas recicla, de forma muito eficiente, é verdade, obras anteriores de auto-ajuda – que, por sua vez, já requentavam idéias bem mais complexas do universo da economia, da psicologia, da psicanálise e da religião.

UM SÉCULO DE CONSELHOS

Algumas obras de auto-ajuda que anteciparam as idéias de O Segredo

SÉCULO XIX
O poeta e ensaísta americano Ralph Waldo Emerson tornou-se uma espécie de precursor da auto-ajuda com Autoconfiança, de 1841. O texto prega uma imersão radical na vida interior de cada indivíduo: "Acreditar que aquilo que é verdadeiro no seu coração é verdadeiro para todos os homens – isto é o gênio".

INÍCIO DO SÉCULO XX
Em 1902, o empregado de fábrica inglês James Allen lança O Homem É Aquilo que Ele Pensa, livro que já trazia a idéia central de O Segredo: bons pensamentos produzem bons resultados. "Só precisamos nos acertar para descobrir que o universo está certo", diz ele.

ANOS 30
Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, do americano Dale Carnegie, é considerado um divisor de águas da auto-ajuda. Publicado em 1936, em plena Grande Depressão, buscava motivar seus leitores com uma mensagem simples: "Acredite que você pode mudar sua vida e isso se concretizará".

ANOS 50
Sucesso do pastor americano Norman Vincent Peale, O Poder do Pensamento Positivo, de 1952, tem uma nota religiosa mais evidente do que os outros livros de auto-ajuda. Ensina que a fé pode conseguir qualquer coisa. A síntese do livro é a seguinte fórmula: "Reze, imagine, realize".

ANOS 90
Médico indiano radicado nos Estados Unidos, Deepak Chopra tornou-se guru com livros como As Sete Leis Espirituais do Sucesso. Suas obras conjugam idéias místicas inspiradas nas religiões orientais e em noções duvidosas de física quântica – coquetel que se repete, em doses diferentes, em O Segredo