sexta-feira, março 30, 2007

Dora Kramer - O santo ainda é de barro




O Estado de S. Paulo
30/3/2007

O esclarecimento do Tribunal Superior Eleitoral sobre a propriedade dos mandatos parlamentares é um marco, é um progresso, é, sobretudo, um avanço na reformulação do sistema político-partidário-eleitoral.Sozinha, porém, a Justiça não corrige condutas. Por isso são um tanto precipitadas no conteúdo de otimismo as avaliações de que o TSE, ao dizer que os mandatos pertencem aos partidos e não aos eleitos, organizou as relações institucionais, principalmente aquelas relativas ao ambiente de promiscuidade entre o Legislativo e o Executivo.

Por ora, nem há razão para pânico nas hostes governistas nem há motivo para regozijo na seara oposicionista, pois o espetáculo da fisiologia não sairá de cartaz só por causa da definição da titularidade dos mandatos.

Quem vende o voto, vende trocando de partido ou não. Quem trai a posição de sua bancada, o faz de dentro da legenda mesmo. Basta ver o resultado de votações para observar o índice de infidelidade registrado nos painéis eletrônicos.

Os partidos, fragilizados e necessitados de número para compor bancadas e com isso participar em boas condições do jogo de correlação de forças no Parlamento, não têm como prática usual o fechamento de questão em votações de assuntos programáticos.

Não fecham, porque não têm coragem de expulsar um parlamentar e, com isso, reduzir o seu exército para o embate interno.

Com a decisão do TSE, esse receio em tese perde o sentido. Agora as agremiações têm o respaldo necessário, pois, se resolverem expulsar um deputado, a vaga do partido está assegurada pela substituição do suplente.

“Até agora, esse era o motivo principal de os partidos evitarem fechar questão mesmo em assuntos claramente programáticos”, diz o deputado José Carlos Aleluia, do Democratas, ex-PFL, autor da consulta ao TSE sobre a titularidade dos mandatos.

Na opinião dele, agora está nas mãos dos partidos fazer do fechamento de questão uma prática, porque o infiel expulso não encontrará abrigo na Justiça se recorrer aos tribunais contra a decisão das executivas.

Mas, além do dever de casa dos partidos, aos eleitores cabe também uma boa parte do problema.

É verdade que o sistema de votação em si é cheio de vícios e afasta eleitores de eleitos. Mas há no Brasil um exemplo de Estado onde o sistema obviamente é o mesmo e o comportamento dos políticos, no entanto, é outro.

No Rio Grande do Sul, deputado, senador, governador, prefeito ou vereador não mudam de partido com facilidade. Em geral, nem mudam. Não porque sejam mais fiéis que os outros, mas porque o eleitor não aceita. É esse sentido cívico que impulsiona a reforma e não a criação ou a interpretação de leis. O instrumental jurídico ajuda, mas não resolve.

Como dizia Roberto Campos, não é a lei que precisa ser forte, mas a carne que não pode ser fraca.

Sintonia

O Congresso está no osso em matéria de credibilidade e ainda acha que tem gordura para queimar.

Por isso propõe aumento de subsídios, verbas e vantagens e depois se espanta com a reação.

O projeto aprovado ontem pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara impondo aos usuários de avião a cobrança de uma nova taxa sobre as passagens aéreas é digno de tese no quesito senso de oportunidade.

De mercador

A Infraero, a Aeronáutica e o Ministério da Defesa até agora ignoraram a determinação do presidente da República e não se manifestaram a respeito do “dia e hora” para o fim da crise no setor. Como respondem hierarquicamente ao presidente, configura-se caso de indisciplina explícita.

Há precedentes, porém. Quando Lula tempos atrás determinou o “imediato fim das filas” do INSS, a ordem caiu no vazio.

No fim do ano passado, os ministérios da Fazenda e Planejamento fizeram-se de surdos à determinação de resolução da crise financeira do Instituto do Coração de São Paulo, num prazo de “48 horas”.

Dois ministros

É um alento ver e ouvir o novo ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Fala do que lhe concerne - a saúde pública -, opina sobre questões polêmicas da área, como o aborto, e não se dá ao desfrute da barganha justificada. Um profissional, cuja nomeação deve somar pontos à minguada coluna dos acertos governamentais.

Já a estréia do novo ministro do Trabalho, Carlos Lupi, faria tremer nas bases seu padrinho político, Leonel Brizola, cuja cesta de equívocos ao longo da vida foi fornida, mas não incluiu o elogio à fisiologia deslavada.

É o seguinte o plano exposto em entrevista ao Globo pelo ministro Lupi para a montagem de sua equipe: “Como presidente do PDT, terei de abrir espaço para contemplar o partido com cargos. Na Previdência, o perfil é mais técnico e os quadros são de carreira. Mas no Trabalho terei mais condições de colocar pedetistas no governo”.

Dizer o quê, se ao presidente não inibe a cena?