Artigo - Paulo Guedes |
O Globo |
26/3/2007 |
De um lado, os desejos, as ambições e os prazeres. O consumo de massa, os meios de comunicação exibindo oportunidades ilimitadas de riquezas materiais. Uma celebração dos sentidos, um festival de sonhos. As propagandas, as novelas, os filmes e os mitos da sociedade afluente, de aspirações infinitas ao alcance das mãos, por um lance de sorte ou de pensamento mágico. Essa é uma visão pelo ângulo da utilidade, do consumo, das preferências subjetivas - o que os economistas chamam de "função de bem-estar social". De outro lado, a tecnologia, os recursos, o esforço produtivo. A criação de riqueza depende das inovações tecnológicas, dos empreendedores, do esforço e da qualificação da mão-de-obra. E esta última depende da qualidade e da abrangência de nosso sistema educacional. Esta é outra visão, pelo ângulo da eficiência, da escassez de recursos produtivos, da tecnologia disponível - que os economistas chamam de "fronteira de possibilidades de produção". Como coordenar os esforços produtivos de 180 milhões de brasileiros? Oferecendo oportunidades de emprego para a auto-realização na formidável engrenagem descentralizada da economia global ou criando no imaginário popular a idéia de que a solução seja pedir recursos em Brasília? As economias de mercado - ou as transferências de renda do governo? As capacitações, habilidades e o trabalho persistente - ou a mobilização política, os grupos de interesse e a extorsão contra a sociedade? O que se espera durante um processo harmônico de desenvolvimento é que se desloquem simultaneamente os desejos e as aspirações da massa, na dimensão do consumo, e as habilidades e as capacitações da população, na dimensão da produção. A incapacidade de engrossar as fileiras de uma classe média ainda emergente no Brasil - bem como a visível degradação de sua qualidade de vida nas últimas três décadas - deveu-se não apenas à perda da dinâmica de crescimento econômico - acima dos 7% ao ano até o início dos anos 70 para menos de 2,5% a partir da década de 80 - mas também ao crescente desequilíbrio da relação entre aspirações e capacitações. Em sociedades pobres e relativamente isoladas do processo de globalização, as habilidades e capacitações são baixas, mas são igualmente modestas as ambições e aspirações. Nas sociedades cosmopolitas, elevam-se proporcionalmente aspirações e capacitações, ambições e habilidades. Mas o grau de distúrbios sociais aumenta em sociedades expostas a uma assimetria entre o grau de exposição às vitrines exuberantes de uma sociedade global de consumo de massa e a realidade produtiva atravancada de economias nacionais prisioneiras de estruturas institucionais obsoletas. Quer pela carga genética do conservadorismo, à direita, quer pelo formidável equívoco intelectual da social-democracia, à esquerda. A sociedade de consumo global ampliou o horizonte das aspirações. Mas, sem reformas institucionais - do sistema educacional às leis trabalhistas, do excesso de impostos ao sistema previdenciário -, as capacitações e habilitações das massas não acompanham o ritmo de seus desejos. Faltam produção e emprego, sobram frustrações. |