domingo, março 25, 2007

Celso Ming Outro ovo na chocadeira



Esta coluna já advertiu que entre os objetivos do Banco Central na formação de reservas externas está agora o de apressar a promoção da dívida brasileira a grau de investimento.

A novidade é a de que este não é um objetivo entre outros. Há razões para acreditar em que se trata da nova estratégia de política conduzida pelo Banco Central, com relevante impacto político - mesmo levando-se em conta que o Banco Central não pode e não deve ter política cambial.

Primeiro, aos conceitos. Um título de dívida é reconhecido como de grau de investimento (investment grade) quando a hipótese de calote fica descartada. Enquanto não tem esse certificado, um título é considerado de interesse só para especuladores (grau de especulação), como são hoje os títulos de dívida do Brasil.

Quem reconhece essa qualidade são as agências de risco, que não fazem outra coisa senão avaliar para os tomadores o nível de confiabilidade de um título. As agências mais conhecidas internacionalmente são a Moody’s, a Standard & Poor’s e a Fitch.

Fundos de pensão, seguradoras, bancos centrais, bancos e fundos de investimento que decidiram não correr riscos só podem compor suas carteiras com títulos que tenham grau de investimento. A procura por títulos dessa qualidade é hoje tão grande que os juros reais (yields) estão sendo achatados. Dá para dizer que há mais demanda que oferta.

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, nunca vai admitir o novo jogo. Mas seu entusiasmo não consegue mais esconder que as compras diárias de dólares não se limitam a reduzir a volatilidade no câmbio interno. Cumprem a função de aumentar rapidamente o nível de reservas para que se consolide a percepção externa de que não há mais razões para temer pela baixa de qualidade da dívida.

Os críticos habituais terão dificuldade para compreender que o principal objetivo da atual política econômica do governo Lula é atingir esse estágio. A maioria dos dirigentes do PT, por exemplo, ao assinar documentos da Executiva onde fica dito que “a política econômica está errada”, não sabe o que é o grau de investimento e suas conseqüências.

A partir do momento em que vier esse reconhecimento, a procura pelos títulos brasileiros tenderá a crescer, os juros reais desabarão e os investimentos externos no Brasil aumentarão. Nesse vácuo, será inevitável que também os juros básicos (Selic) deslizem e que fique pavimentado o caminho para o crescimento acelerado. Sobram duas dúvidas: (1) qual será a intensidade desse movimento?; e (2) o mercado não se antecipará às agências?

Não é novidade que o governo brasileiro esteja perseguindo o novo estágio. Ainda no segundo mandato do presidente Fernando Henrique, o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, repetia que era a meta principal da política econômica. A novidade é a de que este passou a ser o alvo da política cambial.

A simples acumulação de reservas não garante o grau de investimento porque outros fatores podem atrapalhar. Se a economia mundial entrar em colapso; se as condições fiscais do setor público brasileiro se deteriorarem; se houver uma séria crise política no País; fatores assim poderão gorar esses ovos. Em todo o caso, uma boa pilha de reservas é um empurrão e tanto.

Se essa estratégia der certo, uma farta colheita política e eleitoral estará disponível. E essa deve ser a principal razão pela qual o presidente Lula está particularmente interessado no jogo comandado por Meirelles.

E-mail: celso.ming@grupoestado.com.br