quarta-feira, março 28, 2007

Aviões desgovernados



EDITORIAL
Folha de S. Paulo
28/3/2007

Lula confessa que seu governo não possui diagnóstico sobre causas da crise aérea, que desse modo só pode piorar

"EXIGI DELES um diagnóstico preciso, porque um bom médico só pode acertar o remédio que vai dar para o seu paciente se ele souber qual é a doença do paciente", afirmou ontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a respeito da crise aérea. Em seguida, arrematou: "Eu quero prazo, dia e hora para a gente anunciar ao Brasil que não vai ter mais problemas nos aeroportos brasileiros".
As enérgicas declarações presidenciais não mereceriam senão elogios se fossem inéditas e o tumulto aeroviário tivesse começado ontem. Não é o caso. Os transtornos remontam a outubro do ano passado, e Lula já exigiu uma solução para o problema em pelo menos duas ocasiões (6/12 e 21/ 12). Em outras tantas sugeriu que a série de desditas se aproximava do fim.
É para ser recebida com espanto, pois, a confissão de que o governo ainda não conta nem mesmo com um diagnóstico para a crise. E, conforme a observação acaciana do presidente, sem saber qual é a doença não é possível acertar o remédio. De vez que não é razoável esperar que as dificuldades se resolvam sozinhas, pode-se concluir que os prometidos "prazo, dia e hora" para anunciar o fim dos problemas aeroportuários não passam de mais uma balela.
A triste verdade sobre essa crise -provocada por muitos fatores entre os quais se destaca a inoperância governamental- é que sua solução está bem além do horizonte observável.
Ao longo dos últimos quatro anos, o total de passageiros transportados cresceu 43,5%. E, nesse período, apesar dos alertas de técnicos, as verbas que deveriam ser destinadas à segurança dos vôos (fundos aeronáutico e aeroviário) sofreram contingenciamentos crescentes. Mesmo agora, com a balbúrdia já instalada, o governo ainda não conseguiu executar nem mesmo 2% das verbas previstas para o setor em 2007, como mostrou a edição de ontem do jornal "Valor".
A essa infra-estrutura esgarçada e até certo ponto obsoleta veio somar-se o trágico acidente com o Boeing da Gol, em setembro, que deflagrou uma greve branca dos controladores de vôo. A partir daí foi uma sucessão de colapsos atribuídos a razões tão diversas como panes de rádio e de radar, "overbooking", intempéries, nevoeiros e até animais na pista.
Cada ocorrência, mesmo que isolada, via-se magnificada pelo formidável efeito cascata, ele próprio uma conseqüência dos gargalos na infra-estrutura.
A confusão tornou-se a regra e, sob essas condições, cada um dos diversos atores da trapalhada aeronáutica aproveita para tentar passar o seu recado. As falhas no sistema assim se escancaram. Não se pode nem mesmo excluir a hipótese de que determinados grupos se valham da confusão generalizada para empurrar erros para terceiros.
A operação-padrão dos policiais federais, em greve a partir de hoje, deverá ampliar a desordem. A indolência do governo Lula é mesmo espantosa: não pode nem anunciar que a crise tenha chegado ao fundo do poço.