Está correta a intenção do governo Lula de retirar da Previdência os gastos com assistência social e demais subsídios estatais
HÁ MUITO tempo faz-se necessária uma reforma contábil na seguridade social brasileira. Sob o guarda-chuva do Regime Geral da Previdência (INSS) reúnem-se despesas de natureza diversa, o que ajuda a confundir o debate sobre políticas públicas.
Merece apoio, portanto, a idéia que circula no governo federal de separar gastos tipicamente previdenciários -aqueles que são a contrapartida de anos de contribuição ao INSS- dos dispêndios de natureza assistencial. Esse último grupo de despesas, bem como os subsídios e as renúncias fiscais hoje concedidos pelo Estado sob a rubrica Previdência, seriam lançados na conta do Tesouro Nacional.
A mudança, evidentemente, não vai afetar a necessidade de financiamento do governo federal como um todo. Os R$ 42 bilhões (2% do PIB) que faltaram em 2006 para o INSS arcar com as suas obrigações foram custeados por tributos arrecadados pela Receita e por dívida nova assumida pelo Tesouro. Tudo teria ocorrido exatamente do mesmo modo se a contabilidade proposta estivesse em vigor -com maior nível de transparência.
Denominar os gastos públicos pelo que eles de fato são, no entanto, faz muita diferença no momento de discutir a política previdenciária, de um lado, e a social, do outro. Por exemplo, o regime de aposentadorias chamado de urbano (14,3 milhões de beneficiários), em que é muito alta a correlação entre benefícios atuais e contribuições no passado, obteve déficit de R$ 13,5 bilhões em 2006 -uma ligeira queda, em proporção do PIB, em relação ao resultado de 2005.
Já o sistema rural (7,3 milhões de beneficiários), cujas características o aproximam de um programa assistencial de renda mínima, apresentou resultado negativo de R$ 28,6 bilhões no ano passado -o crescimento real do déficit superou 15% sobre o ano anterior. Se a evolução dos dois regimes (o urbano e o rural) vem contribuindo para a progressiva asfixia das contas públicas, cada um o faz à sua maneira e exige correções particulares.
O problema da aposentadoria urbana é tipicamente previdenciário e deve ser tratado com medidas de longo prazo. O aumento da idade na qual o segurado passa a receber a pensão é o objetivo que todos os países vêm perseguindo em suas reformas na Previdência. Já o galope da despesa com benefícios rurais requer ações de prazo mais curto.
A primeira dessas atitudes seria tratá-la como política social, financiada não por taxas previdenciárias mas pelo conjunto dos contribuintes. Esse passo ensejaria, necessariamente, uma discussão mais profunda. Se a natureza da aposentadoria rural é a mesma do Bolsa Família, não faz sentido manter o vínculo do primeiro benefício com o salário mínimo. Ambos os programas teriam de disputar a mesma e limitada fatia do Orçamento.