domingo, fevereiro 25, 2007

Paulo Renato Souza Estatização da formação de professores


A Câmara dos Deputados aprovou na semana que antecedeu o carnaval o Projeto de Lei 7.569-A, proposto pelo Executivo e que amplia significativamente as funções da Capes, órgão do Ministério da Educação (MEC) encarregado de financiar e apoiar a pós-graduação brasileira. Pelo projeto, que agora vai ao Senado, a Capes passaria também a desenvolver atividades para “induzir e fomentar a formação inicial e continuada de profissionais de magistério, utilizando especialmente recursos e tecnologias de educação a distância”. Independentemente da discussão do mérito do projeto, está embutida nele a intenção de criar um programa nacional de formação de professores com conteúdos preparados pelo MEC. Pelos antecedentes conhecidos do atual governo, não tenho dúvidas de que esses conteúdos serão eivados de ideologia e da visão de mundo do Partido dos Trabalhadores.

Uma palavra quanto à maneira como o projeto foi enviado ao Congresso e tramitou até agora, e que em si já se constitui num claro atropelo à própria sociedade brasileira, que não teve oportunidade de discutir o assunto. O governo federal remeteu-o à Câmara em outubro do ano passado e em novembro enviou nova mensagem para dar-lhe o caráter de “urgência constitucional” na sua tramitação. Isso significa que o projeto pode dispensar a análise pelas comissões temáticas da Casa e pode vir diretamente para votação final em plenário, sendo os relatores das várias comissões designados pelo presidente da Câmara para darem seu parecer oralmente. Além disso, transcorridas 45 sessões do recebimento da mensagem presidencial, o projeto deve necessariamente ser votado, sob pena de trancar a pauta da Câmara, impedindo que outras matérias sejam analisadas. Tudo isso se deu num momento peculiar, na mudança de uma legislatura para outra, em que a maior parte do período para a sua análise se deu no final de uma legislatura e início de outra. Desta forma, a matéria literalmente “caiu” na pauta da sessão ordinária da Câmara na segunda-feira 12/2, sem que nenhuma comissão o tivesse analisado e sem que uma reflexão adequada pudesse ter sido feita pela imensa maioria dos parlamentares.

No final de semana anterior o MEC havia divulgado os desastrosos resultados das avaliações do ensino básico em nosso país, medidos pelos vários sistemas hoje existentes no ministério (Saeb e Enem). Ninguém duvida da extrema relevância da questão da formação de professores para a melhoria da qualidade da educação e ninguém desconhece a enorme carência que temos nessa área, tanto na formação inicial quanto no aperfeiçoamento dos professores já graduados. Nada a reparar quanto ao mérito e a oportunidade de uma iniciativa nesse sentido por parte do MEC. Ao contrário, neste aspecto só tenho louvores à proposta. Além disso, o projeto propõe-se a utilizar a educação a distância para esse objetivo, o que só lhe agrega méritos, dadas a urgência em atuar nessa área, a imensidão de nosso território e nossas conhecidas disparidades regionais.

Por outro lado, trata-se de uma proposta de modificação radical nas finalidades e na própria estrutura da Capes. Esse é um ponto discutível do projeto. Muitos especialistas temem que se acabe por desvirtuar a natureza de um órgão que cumpre exemplarmente suas atuais funções em relação à pós-graduação. Apesar de pessoalmente preferir outra solução, mediante a coordenação do programa por outro órgão do MEC mais vinculado à educação básica, não tenho sérias restrições à proposta neste aspecto.

O grande problema está na forma pela qual se espera que a Capes venha a desenvolver o programa de formação de professores. Isto não está explícito no texto do projeto de lei, mas é claramente dedutível da estrutura que se pretende criar para desenvolvê-lo. Para cuidar da pós-graduação brasileira a Capes tem hoje um quadro de 130 servidores efetivos e 38 cargos de confiança. Para desempenhar a nova função o projeto prevê a criação de mais 410 cargos efetivos e 58 cargos em comissão! Ou seja, estão propondo mais do que triplicar a atual estrutura da entidade. Aqui se revelam os verdadeiros propósitos não explicitados no enunciado do projeto de lei, que acrescenta nova função ao órgão: um número tão grande de profissionais só se explica se a Capes passar a ela mesma desenvolver os conteúdos programáticos dos cursos a serem oferecidos e passar a veiculá-los diretamente para os professores. A questão certificação poderia ser resolvida facilmente mediante convênios com algumas universidades. Ou seja, o MEC passaria a diretamente oferecer cursos de formação de professores a distância, competindo com as instituições públicas e privadas que já se dedicam à tarefa. Isso, sim, é uma grande e desastrosa novidade, além de constituir-se num claro desvio das funções do órgão encarregado da supervisão do sistema de ensino nacional.

Expressei claramente essas críticas no debate do projeto em plenário, mas, infelizmente, não havia tempo hábil para preparar emendas para serem apresentadas à Câmara. Restou-nos como única alternativa encaminhar e votar contra a aprovação. Fomos derrotados pelo governo e o projeto vai agora ao Senado. Tenho a firme esperança de que ele possa ser corrigido naquela Casa. As propostas são simples e em nada desvirtuam o mérito do projeto, ao contrário, apenas o aperfeiçoam. Basta determinar que as ações de formação inicial e continuada de professores de educação básica a serem desenvolvidas pela Capes o sejam exclusivamente em regime de colaboração com entidades de ensino superior públicas ou privadas, garantida a liberdade acadêmica. Além de todos os méritos, isso permitiria um significativo corte na expansão de pessoal prevista no projeto.