quinta-feira, fevereiro 01, 2007

MÁRIO MAGALHÃES Brasis



RIO DE JANEIRO - O Brasil mais generoso e o Brasil mais egoísta se cruzaram numa jornada trágica iniciada na madrugada de domingo. Em um barraco da Baixada Fluminense, moravam a octogenária Jandira Almeida e sua neta Joana, 17, grávida de nove meses. Sobreviviam da aposentadoria da avó.
Quando a garota passou mal, o Brasil generoso compareceu no socorro do vizinho que a levou de caminhão para uma maternidade municipal de Duque de Caxias. O egoísta, conforme o testemunho da família, impediu que houvesse pelo menos um anestesista de plantão.
Em outro hospital do município, Joana se assustou com os resmungos sobre o descalabro no atendimento e partiu. Nova carona solidária a deixou no centro do Rio.
Na Pró-Matre, maternidade particular conveniada ao SUS, o Brasil egoísta deu as caras na frase que uma prima de Joana conta ter sido pronunciada por uma médica: "Na hora de fazer neném você não sabia que ia doer? Dá seu jeito agora". A Pró-Matre disse que a paciente foi "medicada e liberada". Poderia emendar: liberada para a morte.
Aos prantos na calçada, Joana foi acudida pelo Brasil generoso, na pessoa de um desconhecido que lhe emprestou dinheiro para correr de táxi ao hospital federal do Andaraí.
Quase 24 horas depois de sair de casa, ela morreu nas mãos dos médicos. Antes, seu menino nascera morto. Longe da saúde indigente, este Brasil egoísta, suas chances se multiplicariam. Eis o país: superávit primário, déficit de vidas.
O Brasil generoso chorou na despedida. O Brasil egoísta não deu um caixão só para o bebê: Ronald, este seria o seu nome, foi enterrado junto com a mãe. O repórter Italo Nogueira ouviu o lamento da avó: "Era" só eu e ela dentro daquele barraco. O que vai ser de mim?".