domingo, fevereiro 25, 2007

FERREIRA GULLAR O sonho acabou


O PT é um partido em mutação, como seu líder, que trocou o radicalismo pela prática populista

O PT é um partido em mutação. E não é de hoje. O partido com pretensões revolucionárias, que nasceu em 1980, manteve o discurso radical enquanto pôde, ajustando-o à realidade, fosse em Ribeirão Preto, fosse em Santo André, até que, no plano nacional, após sucessivas derrotas de Lula, teve que baixar a crista: parou de falar na reestatização das empresas privatizadas por Fernando Henrique, de ameaçar romper com o FMI, de renegar a política econômica que acusava de neoliberal, de insistir na revogação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Com isso, ganhou as eleições presidenciais de 2002 e chegou afinal ao poder.
Não é preciso exagerar na imaginação para supor o que então se passou na cabeça dos petistas: não podiam perder aquela oportunidade de assenhorear-se da máquina do Estado, de fortalecer suas bases, dar forças às organizações sociais e sindicais, a fim de se perpetuar no poder. Às vésperas dos escândalos de 2005, José Dirceu, então chefe da Casa Civil da Presidência, afirmou em Madri que o PT ficaria no governo do Brasil por 20 anos, no mínimo.
Foi, então, que estourou a bomba e vieram à tona as falcatruas de que o PT e Lula haviam lançado mão para viabilizar seus planos de perpetuação no poder. O instrumento principal foi o mensalão, que permitia ao governo contar com o apoio dos partidos aliados sem lhes entregar cargos importantes no governo, privilégio quase que exclusivo dos petistas. Esse aparelhamento dos ministérios e empresas estatais garantiria a permanência no poder e a realização de seu projeto político.
A denúncia das falcatruas não só inviabilizou o projeto petista como mostrou que ele era inviável, já que o eleitorado não votara no Lula para perpetuá-lo no governo nem para que pusesse em prática as idéias radicais do passado. E se Lula e o PT tiveram que comprar deputados foi porque não detinham a maioria dos votos na Câmara Federal. Resumindo: a ascensão dos petistas ao poder e a tentativa de nele se manter serviram para demonstrar que o sonho petista tornara-se anacrônico, ou seja, a realidade dissipara a fantasia e mostrara que ele se tornara um partido como os demais.
A convicção de muitos de que, após os escândalos, o PT naufragaria, não se confirmou: as CPIs não deram em nada; o plenário da Câmara inocentou quase todos os envolvidos no mensalão, cuja cassação havia sido proposta pelo Conselho de Ética; os que renunciaram ao mandato foram reeleitos no pleito do ano passado. E, para a alegria dos petistas, sua representação na Câmara Federal aumentou -tornou-se a segunda maior bancada.
Esse fato não deixa de ser surpreendente e decepcionante para quem acredita que a ética deve pautar a vida política, mas não é novidade. Quantos políticos comprovadamente corruptos têm sido eleitos e reeleitos para exercer a função de legisladores, prefeitos, governadores? A desculpa usada pelos corruptos é sempre a mesma: alegam que as acusações não passam de calúnias dos inimigos políticos e da imprensa, que os odeia porque eles defendem os interesses dos pobres...
Também nisso o PT se comportou como um partido igual aos outros. O próprio Lula afirmou que a imprensa vive inventando mentiras contra seu governo e seus companheiros, o que foi recentemente repetido por ele e por seu ministro Tarso Genro, partidários ambos de uma imprensa "independente", dirigida por sindicatos e organizações populares, certamente financiada com dinheiro público.
Mas isso é outro assunto. Como disse no começo desta crônica, o PT é um partido em mutação, juntamente com a figura de seu líder, que trocou o radicalismo de palavra pela prática populista sem que nem um nem outro queiram assumir isso, por razões óbvias. Diz-se, com freqüência, que o PT tem por mania a luta interna. Mas não é mania; ele vive uma crise de identidade: as facções de esquerda insistem em discutir os erros cometidos e punir os culpados, enquanto o Campo Majoritário, que os cometeu, quer apenas esquecê-los; e Lula também.
Sabem que o PT que ganhou as eleições de 2006 não foi o mesmo que as ganhou em 2002; seu eleitorado é, agora, preponderantemente dos grotões; e mesmo o eleitor mais consciente, que ainda votou neles, também mudou, passou a exigir menos. É como se dissesse: "Antes uma esquerda populista do que nenhuma". Dá para entender, pois é muito difícil abrir mão de um sonho generoso que nos deixa em paz com nossa consciência. Mais difícil ainda é admitir que não há soluções mágicas nem definitivas para os problemas.