quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Educação que dá certo



Artigo - Roberto Macedo
O Estado de S. Paulo
22/2/2007

O triunfo de um estudante em vários dos recentes exames vestibulares mostra também o sucesso de fatores tradicionalmente responsáveis por uma boa educação. Ainda que não sejam novidade, é bom relembrá-los, porque muito se discute sobre a má qualidade da educação brasileira, particularmente a das escolas públicas até o ensino médio, e na busca de soluções há quem fique na expectativa de inovações de eficácia não comprovada, ao mesmo tempo que se despreza ou se ignora o que tradicionalmente funciona.

O vitorioso é João Francisco Ferreira de Souza, primeiro colocado geral no vestibular da Unicamp, e também aprovado em mais seis das principais universidades brasileiras, entre elas a USP e a Unesp. Na Unicamp teve a pontuação ampliada por se ter declarado pardo e oriundo de escola pública - um colégio militar de Campo Grande(MS) -, mas mesmo sem isso teria passado em segundo ou terceiro lugar. Acrescente-se que ele não passou por um cursinho.

Em entrevistas a este jornal e à Folha de S.Paulo, divulgadas na quinta-feira passada, revelou fatores de sucesso conhecidos. Assim, a influência educacional da mãe é ressaltada quando ele afirma: “Desde pequeno (...) me obrigava a fazer a tarefa da escola antes do jantar.” E mais: “Não sou gênio. Sou organizado no horário para estudar. Em casa há regras bem definidas.”

Ao lado do aspecto disciplinar, ao qual retornarei posteriormente, a influência da mãe é sabidamente fundamental em todo o processo educacional, desde o passo inicial de levar a criança à escola, como na orientação e na cobrança de desempenho, ao lado de criar condições para o estudo em casa.

Como no Brasil a baixa escolaridade de muitas mães é um problema em si mesmo, são necessárias ações pontuais para, visitando-as ou chamando-as às escolas, convencê-las da importância do estudo e a se engajarem na educação dos filhos, mesmo com as deficiências educacionais que elas apresentam. Cabe também o estímulo econômico, como nos programas conhecidos como Bolsa-Escola.

Difícil? Sim, mas não há soluções fáceis para um problema tão complexo e multifacetado como o educacional. E não se pode perder a esperança, pois já ouvi várias mães com essas deficiências a dizer: “Não tive estudo, mas não quero que meu filho passe pela mesma situação.” Ou seja, há as que mostram essa percepção mesmo sem as referidas ações.

Outro fator que emerge das entrevistas é a condição da escola de origem. No meio da má qualidade que de um modo geral contaminou a educação pública até o ensino médio, até onde sei os colégios militares ainda estão na trincheira da luta em sentido contrário. Essa luta envolve, além das autoridades educacionais superiores, atores que na outra ponta do processo incluem diretores de escolas, professores, alunos e pais, sendo que um dos papéis destes últimos seria o de cobrar essa qualidade.

Nessa linha, as poucas escolas públicas que ainda servem de modelo deveriam ter sua experiência compartilhada com todos esses atores, inclusive recebendo-os como visitantes. Arrisco-me a dizer que encontrariam algo que falta nas escolas de baixa qualidade, pois nestas a carência de recursos inclui dois cujos papéis costumam ser negligenciados, a gestão e a disciplina a ela associada.

Nesse caso, João Francisco também afirmou que seu colégio “tinha um método mais rígido”. Ora, não precisa ser uma disciplina militar, em casa ou na escola, e ele mesmo afirmou que não deixava de se divertir e de sair com os amigos. Mas não há como ter escolas de boa qualidade se os diretores não estão ali para comandar; os professores, para ensinar; e os alunos para estudar e aprender. Já ouvi professores de escolas públicas sintetizarem como uma bagunça a situação daquelas onde trabalham, da direção ao comportamento dos alunos.

Há também outro aspecto, menos conhecido, pelo qual me bato há tempos. João Francisco disse que gosta de ler de tudo um pouco. Não entrou em detalhes, mas para conseguir os resultados que obteve, como no resultado geral da Unicamp, deve ter conhecimentos bem mais amplos que os tipicamente exigidos para a área que escolheu, Engenharia. Há em muitas escolas a tendência de instilar na cabeça dos alunos um conhecimento precocemente especializado já no ensino médio, segmentando-os em grupos especificamente voltados para ciências humanas, exatas ou biológicas.

Em parte isso reflete as exigências do vestibular, mas precisa ser mudado, e no mesmo dia veio neste jornal uma boa notícia a esse respeito, a de que o Ministério da Educação premiará com verbas extras as universidades federais que, entre outras iniciativas, criem ciclos básicos nos seus cursos de graduação. Ou seja, logo em seguida ao vestibular, nesse ciclo os estudantes cursariam disciplinas de várias áreas, e não apenas aquelas da especialização de seu interesse.

É um avanço, mas o ideal seria que a escolha de cursos fosse postergada para a conclusão desse ciclo básico, de modo a evitar a também precoce escolha de uma carreira, com o que o vestibular deveria ser adaptado de modo a reduzir o peso de disciplinas ligadas a cursos específicos.

Finalmente, nessa história de sucesso há também o reconhecimento do bom desempenho, inclusive mediante premiação, um estímulo importante para o estudo. Segundo João Francisco, no seu colégio havia listas dos melhores do mês, que ganhavam prêmios, e essa avaliação levava, na sua média mensal, a uma hierarquia. E concluiu: “Por dois anos eu fui o coronel-aluno, que é o melhor da classe.”

Depois desse sucesso no vestibular, deveria passar não a general-aluno, mas a soldado da educação, e sair por aí contando a sua valiosa experiência.