O Estado de S. Paulo |
1/2/2007 |
No Estado mais pobre do País prevalece a cultura do privilégio compartilhado Dois alagoanos renomados, o senador Renan Calheiros e o deputado Aldo Rebelo, vêm concentrando energia e atenção nas eleições de hoje no Parlamento, quando tentarão se reeleger nos respectivos cargos de presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Enquanto isso, seu Estado de origem queda-se refém da cultura do privilégio compartilhado entre aqueles com acesso ao poder público, seja por intermédio de votos, concursos, nomeações, direitos adquiridos ou compadrio. Com uma dívida de R$ 408 milhões, o maior número de analfabetos entre 15 e 55 anos do País, o menor Índice de Desenvolvimento Humano, o maior gasto público proporcionalmente à arrecadação, com zero em caixa para fazer frente aos compromissos básicos de custeio (de investimento há muito nem se fala por lá), com 46% da população abaixo da linha da pobreza e no limite de descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, Alagoas é de novo protagonista de um episódio de descalabro público semelhante a outros já vividos pelo Estado nos últimos anos. Na segunda-feira, três dias antes do encerramento da legislatura, 19 dos 27 deputados estaduais (11 não reeleitos) promoveram uma farra para farrista nenhum botar defeito: aumentaram seus subsídios em 50% (de R$ 6 mil para R$ 9 mil), reajustaram em 30% o valor das verbas de gabinete, elevaram de 14 para 39 o número de assessores disponíveis para cada um e, no embalo, derrubaram a decisão do governador recém-empossado, Teotônio Vilela Filho, de congelar por 180 dias os gastos públicos. Com isso, revalidaram reajustes concedidos pelo antecessor, na quase totalidade para serem pagos pelo sucessor, e permitiram o retorno ao funcionalismo de 3 mil servidores que há 10 anos haviam aderido ao Programa de Demissão Voluntária. No tocante à Assembléia Legislativa, os reajustes elevaram o custo unitário dos deputados para R$ 109 mil, praticamente o que a Câmara gasta com cada um de seus 513 parlamentares. O mais lamentável nessa história até familiar aos brasileiros é que não há a menor hipótese de uma reação semelhante àquela havida no âmbito nacional, quando no fim do ano passado os deputados federais e senadores tentaram majorar seus subsídios em 91%. Quem tem voz e capacidade de mobilização no Estado está contra as medidas do governador e a favor da revogação votada pela Assembléia: no funcionalismo, na imprensa, nos outros Poderes, de todos os setores surgem ataques a Teotônio Vilela, acusado de pensar mais na lei do que nas pessoas de quem quer cortar privilégios ou suspender temporariamente reajustes fora do alcance do caixa. E o Ministério Público estadual, em tese o defensor da sociedade, onde está? Na ofensiva da pressão, apoiando os deputados, pois um dos atos do governador havia sido o veto ao aumento do orçamento do Ministério Público de R$ 68 milhões para R$ 71 milhões. 'Aqui prevalece a mentalidade de que o Estado é o grande empregador. Não existe a compreensão de que ao poder público cabe gerar o desenvolvimento que, este sim, resultará no emprego. Esse pessoal não entende que a infração da lei acaba ferindo o direito das pessoas', diz o governador, reconhecendo sua posição de isolamento. 'Estou me sentindo em meio a uma imensa solidão, feito um samurai com a espada da Lei de Responsabilidade nas mãos e levando pancada de todo lado. Eu governo um Estado de 3 milhões de pessoas e, por mais que respeite os servidores, não posso pensar só nos 60 mil servidores. E o cabra que está lá na catinga com o filho bebendo água suja do açude e não pode se mobilizar?', pergunta Teotônio Vilela Filho, já preparando a reação. Assim que a nova Assembléia Legislativa tomar posse hoje, vai usar sua maioria - 'pequena, mas maioria' - para tentar anular a sessão que aprovou o aumento dos deputados e derrubou as medidas de contenção. Se não conseguir, irá à Justiça. 'Que esses descalabros aconteçam em Estados, ou mesmo na União, com cacife para bancar as despesas é um absurdo, mas o mundo não acaba. Aqui em Alagoas não é assim, não temos como pagar. Já cortei na carne: reduzi as secretarias de 46 para 17, devolvi metade dos carros do governo, extingui cargos em comissão, não tenho mais de onde tirar, só economizando no custeio. Trata-se da sobrevivência do Estado.' Mais que isso. Trata-se de lidar com uma sociedade que insiste em ignorar a realidade do desmantelamento e da perda paulatina da capacidade de o Estado alagoano gerir a si, porque ninguém quer saber de dividir esforços para mudar uma situação que sustenta os privilégios de uma minoria e infelicita a maioria. Nesse ambiente, é lícito pensar que o governador e sua disposição de brigar com uma cultura de espoliação do poder público tão arraigada possam não resistir por muito tempo, cedendo à lógica local para poder se manter em relativa paz no cargo. Esta hipótese, assegura, está fora de cogitação: 'Não recuo. Se recuar, deixo de ser governador e viro um molambo.' |