sexta-feira, fevereiro 02, 2007

A crise ética respinga na toga - Villas-Bôas Corrêa



Jornal do Brasil
2/2/2007

A crise ética que devastou a credibilidade do Congresso e corrói como cupim o empacado segundo mandato do governo Lula esvoaça sobre o Judiciário desde que a calamitosa presidência do ex-ministro Nelson Jobim negociou com o então presidente da Câmara, o inesquecível ex-deputado Severino Cavalcanti, o tríplice aumento dos magistrados, com a previsão de vidente dos próximos índices de inflação.

Mas é decepcionante a recaída que interrompe o esforço para o indispensável revigoramento da Justiça, com a quizila entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que terá de ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o teto dos vencimentos dos magistrados.

Basta prestar um mínimo de atenção nas razões dos dois lados para que fique evidente quem defende a dignidade da Justiça e quem arranha o alto conceito de ministros, desembargadores, juízes, promotores e funcionários do Poder sempre cercado do respeito da sociedade, mesmo em meio às justas críticas à morosidade dos processos que se arrastam por anos e décadas no cipoal dos infindáveis recursos protelatórios de códigos caducos.

Desde dezembro, o STF pingou o ponto final na descabida pretensão dos furadores do teto salarial, ao anular a decisão do Conselho Nacional do Ministério Público que elevou o teto dos integrantes da magistratura, inclusive nos Estados, para R$ 24.500 - andares acima dos R$ 22.111 do limite constitucional.

Daí por diante, a pendenga azeda e engrossa com a rebeldia de tribunais estaduais que se recusaram a cumprir a decisão do STF, para manter os privilégios de vencimentos e aposentadorias acima do teto, com a invocação do direito adquirido e do princípio constitucional da irredutibilidade dos vencimentos.

As coisas ficaram mal paradas com a decisão do CNJ determinando a suspensão imediata do pagamento de benefícios e gratificações que ultrapassem o teto de R$ 22.11 mensais e a abertura de processos administrativos contra os presidentes de sete dos 14 tribunais estaduais que, em desobediência explícita, não reduziram os pagamentos ao limite constitucional.

Entre os tribunais regionais que tiveram as suas justificativas rejeitadas, algumas pérolas do descaramento aliviaram a tensão dos conselheiros do CNJ, a exemplo do TJ do Rio Grande do Norte que paga aos desembargadores a gratificação por nível universitário. Os afortunados colegas do Amapá e do Mato Grosso embolsam o auxílio-moradia, uma das prendas das mordomias dos senadores e deputados.

O STF passará pelo constrangimento de decidir a ação de inconstitucionalidade que o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros anunciou que vai propor nos próximos dias.

Pelo simples raciocínio lógico, o ilustre juiz Rodrigo Collaço, presidente da AMB, apenas obedece ao rito de esgotar os recursos legais.

Mas, em qualquer hipótese, inclusive na improvável surpresa de uma reviravolta no STF, a exposição da Justiça na defesa de vantagens, negadas aos que ganham o seu salário esburacado pelos descontos da gula insaciável do governo, deveria ter sido evitada por um oportuno entendimento entre os togados responsáveis pela inconveniente demanda.

Pois a nossa cota de provação de cada dia já se esgotara com o último desatino do governo Lula com o Plano de Gestão das Florestas Públicas, enviado ao Congresso, que escancara a porteira para a concessão de terras, inclusive da Amazônia, para a exploração de empresas nacionais e estrangeiras.

A reação no Congresso, apenas esboçada, registra a exemplar sentença do senador Pedro Simon (PMDB-RS): "Não dá para entender como um processo desse ocorre no governo do PT". E, para não perder tempo, apresentou projeto que torna obrigatória a aprovação prévia pelo Congresso das concessões de florestas com mais de 2,5 mil hectares.

Se o presidente não abrir o olho, a primeira CPI do ano investigará a privatização da Amazônia.